O advento tecnológico altera também o Homem. Acertivo, McLuhan, no livro “Meios de Comunicação como Extensões do Homem” (1964), nos esclareceu que o meio de comunicação afecta a sociedade na qual desempenha um papel. O media (meio/dispositivo) dominante é determinante para as características humanas de um tempo.
Estamos hoje conectados aos computadores, smartphones e afins. O nosso modo de fazer e pensar determinados processos e interpretações do mundo estão afectadas e já, sem igual na história da humanidade, se é aceite – com as resistências que sempre existirão em movimentos de mudança – que há diferentes visões a respeitar.
O avanço tecnológico inventa novas formas de ser, muda a perspectiva, as necessidades. Reconfigura, como escreve Ranciére, no livro o “Espectador Emancipado” (2008), a propor uma nova ciência crítica, a paisagem do perceptível e do pensável.
Com efeito, desloca o território do possível. Um exemplo: em tempo real, em vídeo chamada, falo com o meu primo nos states enquanto ele compra um McDonald’s na Coney Island e eu na 24 de Julho compro pão com badjia. O que era inalcansável para o nosso avô que foi funcionário dos Correios em Inhambane da década 50 e moldado na espera da resposta que podia levar meses.
A arte é, sendo fruto de uma cultura – que envolve esses hábitos e costumes que configuram, inevitavelmente, a forma de pensar -, o palco onde contemplamos os tempos e ou espaços que percorremos ao largo da nossa breve existência.
Godard e a sua turma da Nouvelle Vague deram luz na tela de projecção de cinema a uma nova forma de olhar e posição do ver. No espírito da Revolução de Maio de 68, ele reinventou e conduziu-nos para uma outra perspectiva do ver com a introdução de novos vocabulários – é certo que também exibiu um profundo conhecimento da história do cinema através das citações e referências que foi fazendo.
Interpretando a arte como um lugar de reflexão e lugar onde o pensamento reside, Severino Ngoenha, no livro “A (Im)possibilidade do Momento Moçambicano: notas estéticas” (2016), questiona o momento da arte moçambicana. Pode-se concluir no fim da leitura que para o filósofo a arte moçambicana desde os anos 40 do século XX até ao final discutiu o lugar do negro, reivindicou a nossa humanidade (identidade) ao mesmo passo, claro que condicionados (influenciados, determinado?) ao contexto local, o modernismo cujas primeiras marcas encontramos, na pintura, pelos Jacob Estevão Macambaco e a arte Makonde. E hoje, que perguntas? Que respostas? Que caminhos? Que instrumentos?
Naguib, na exposição “Grito e paz”, introduziu, classifica Alda Costa, no livro “Arte em Moçambique entre a construção da nação e o mundo sem fronteiras (1932-2004)” (2013), uma nova estetica moderna nas artes visuais nacionais, em 1986. Era outro traço. Como o é o singular e diverso Idasse Tembe. Muvart veio no mesmo espirito, mas noutra epoca corria a primeira decada do século XXI, questionar e propor outra forma de se ocupar as galerias e exposições.
Enquanto correm os nossos dias de textos escritos por ferramentas generativas como ChatGPT e os boots da inteligência artificial – não reune consensos a semelhaça da música feita no computador – ao ritmo e velocidade das fake news evolui. Mas. Em 2018, várias cidades britânicas receberam o espectáculo Roy Orbison In Dreams – The hologram tour, que eram performances cujos movimentos de um actor e rosto trabalhadas pela inteligência artificial representavam o músico Roy Orbison que morrera em 1988. Com direito a rosto sintetizado.
Em meio a este emaranhado, Walder Zand, realizou, de 23 de Maio a 1 de Julho deste ano, a exposição “Caminhos”. Na descrição sobre a mostra exibida pelo Centro Cultural Franco-Moçambicano, lê-se tratar-se de “uma revisão completa e complexa do espaço, por dentro e por fora, é um aceno às origens do artista como pesquisador irrequieto”.
Nesta prosposta, este artista plástico. designer, e docente das cadeiras de Materiais e Processo de Produção para Design e Oficinas Multidisciplinares na Faculdade de Artes do ISArC, explora o dialogo que estabelece entre a sua oficina de pintura e a a colagem digital.
Percorrendo o experimentalismo, tanto técnico como estético, Zand provoca reflexões sobre a evolução das artes visuiais neste mundo em permanente metamorfose. E o faz mantendo as cores vivas do vocabulário pictórico corrente sem fugir do nosso imaginário. O vermelho, o azul, o preto e afins.
Quando a descrição indica que enquandra a exposição numa “conversa com outras pessoas, gerando algo no mundo, onde o seu significado muda com o tempo”, o econtramos em harmonia com a ideia da modernidade liquida de Bauman – nada é consistente e constante. O que se reforça, em relação ao nosso tempo, quando na mesma descrição podemos ler que “este corpo de trabalhos em colagens digitais, altera fundamentalmente o nosso sentido de tempo, lugar e memória, transformando as nossas experiências do mundo físico ao nosso redor, para dar diferentes significados de coisas numa profusão de temáticas de uma longa caminhada repleta de um misto de sentimentos e situações”.
Com relactiva facilidade encontramos as formas distorcidas e propositadamente desfiguradas que podem remeter a pintura de um Vasco Manhiça, mas feitas também com recurso a inteligência artificial.
Sem deixar de propor reflexões sobre “as nossas próprias experiências baseadas em memórias colectivas”, esta “Caminhos” traz as nossas galerias, de propósito, “fenómenos bem actuais” como as fronteiras entre o humano e a inteligência artificial, numa linha similar à do fotógrafo alemão Boris Eldagsen que, em Abril, se recusou o prémio da Sony World Photography Awards, porque a imagem tinha sido gerada com Inteligência Artificial (IA). O objectivo do alemão era descobrir se as competições do género estão preparadas para discriminar imagens criadas através de inteligência artificial. “Não estão”, concluiu, na resposta publicada pelo Expresso (pt).
Não há consensos. Este é um momento histórico em que um novo debate surge sobre as fronteiras entre nós e as máquinas.
Há quem, como A Organização Mundial da Fotografia, vinque que, “embora as criações com inteligência artificial sejam relevantes em contextos artísticos, os prémios sempre foram, e continuarão a ser, uma forma de defender a excelência e a habilidade dos fotógrafos e artistas”. Por outro, a Sony World Photography Awards defende que é um debate a se fazer. Como o são as nossas misérias, vivências urbanas, suburbanas, perfiricas que compõem as telas.