Vítor Burity da Silva nasceu na cidade do Huambo, em Angola, a 28 de Dezembro de 1961. Primeiro autor africano publicado pela Porto Editora. Com dois doutoramentos em Literatura e Filosofia, estudou Jornalismo em Lisboa, vive no Porto e Luanda. É autor do livro Rua dos Anjos, do qual se extraiu parte do texto para manuais escolares de Português (12.ª classe – Angola) e participou em várias coletâneas de prosa poética: Poiesis, (2007), Intemporal, (2008), A Arte pela Escrita, (2008). Publicou em jornais e revistas, tendo obtido vários prémios e menções honrosas.
Em 2010, publicou Novembro, obra que aborda os trinta e cinco anos de independência de Angola, numa viagem interior e de esperança pelas paisagens, pela longa luta, o sangue, a fome, as perdas, a vitória.
É autor internacional de livros respeitado globalmente pela qualidade pela Associação dos Escritores dos Estados Unidos da América.
Experiência é uma das coisas mais interessantes quando se conversa em qualquer área com alguém já percorrido. O tempo e as coisas parecem as mesmas para todo o mundo, mas não são antes de tê-las à frente.
Hirondina Joshua: A inocência diz-lhe alguma coisa quando escreve?
Vítor Burity da Silva: É exactamente o contrário, ninguém é ou pode ser inocente, escrever, “implica”, responsabilidade, embora ela comece num dom muito natural, vai-se obrigatoriamente transformando e para tal, criar noções de escrita, a experiência vai acontecendo quase que naturalmente, lendo bastante, o que é de suprema importância, e como em qualquer na vida, vamos descobrindo a nossa verdadeira identidade, o nosso próprio estilo, e isso só acontece sem inocência, mas muito trabalho como é óbvio.
HJ: A Odisseia é, talvez um dos maiores percursores do romance moderno. O mundo deve mais a Homero que a Einstein?
VBS: O mundo deve tudo ao que venha proporcionar desenvolvimento, a escrita, talvez a descoberta mais importante de sempre, a Odisseia veio, de facto, quase que a obrigar a leitura e com ela os estudos, que, sem escrita, talvez não conseguissem aparecer e evoluir, por isso a escrita tenha surgido mais cedo.
HJ: Julio Cortázar afirma que o poema e o conto para serem escritos é preciso estar em transe. Há sujeitos consideráveis fora do nosso?
VBS: A liberdade de opinar ou tentar criar conceitos é de livre arbítrio, não sou eu que o virá contrariar, a ideia e responsabilidade dessa afirmação é dele e da qual não partilho, pois, escrever é esforço, cultura, conhecimento sobre a matéria. Transe é uma expressão um pouco exterior à escrita, mas talvez haja quem, depois de uns bons Runs ou tequilas, ou fumos que consuma, possa fazer dele na opinião que é dele, essa tal viagem. Eu escrevo naturalmente porque gosto imenso de escrever, adoro ler e leio bastante e um pouco de tudo. Escrever é ARTE!
HJ: O génio e a originalidade se confundem na literatura? Ou um génio é um indivíduo que olha a matéria e a trabalha dentro do seu estilo. O original, aquele que é surpreendido pela matéria?
VBS: Génio, é para mim, alguém fora do normal, alguém com capacidades cognitivas superdesenvolvidas, podem ou não estar relacionadas com originalidade, mas há originalidade sem se ser génio e o contrário sim. Original é aquele que consegue criar algo novo ou diferente sem que a genialidade o impulse, pois, pode mesmo não ser génio.
HJ:
Fábula
Menino gordo comprou um
balão
e assoprou
assoprou
assoprou com força o balão
amarelo.
Menino gordo assoprou
assoprou
assoprou
o balão inchou
inchou
e rebentou!
Meninos magros apanharam os restos
e fizeram balõezinhos.
José Craveirinha.
VBS: Poema é sempre um belo abjecto de arte, e nela, só por si, há valor. Contextualizando ao tempo em que foi escrito, creio que há muitos anos, pouco se escrevia, especialmente em África, e os poucos quase não ousavam escrever em prosa. Neste caso, tratamos de um poema pormenores metafóricos, vendo como se desenvolve do menino gordo, “que significará” neste poema como um menino rico, e vai até ao menino magro, que será o menino pobre. Não é exuberante nem extraordinário, mas enquadro-o como um texto com valor.
HJ: A conjugação matéria-espírito ambula na energia textual. O mesmo que disser: a mão que escreve é a mão que sente.
VBS: Não acredito que seja essa a melhor forma de se explicar o que se escreve ou como se escreve, escrever ultrapassa imensos limites e essas coordenadas serão sempre um acto consciente, pois, o escritor pensa ao escrever, logo, não segue a mão sem a noção do que está a fazer. Talvez como metáfora se usem expressões dessas, mas somos livres desde que saibamos o que escrever, o consciente está presente.
HJ: Um dos fundamentos da teoria psicanalista anuncia que os processos psíquicos são na sua maioria inconscientes, que a consciência não é mais do que uma fracção da nossa vida psíquica total. Digo: – os personagens protagonista e seus coadjuvantes ainda que surjam diferentes, são iguais a eles e ao autor.
VBS: Bem, partimos os únicos fundamentos psicanalíticos, que são três, basicamente servem de pilares para toda a teoria da personalidade. Níveis que são: Consciente, Pré-consciente e Inconsciente. O consciente trata de um estado no qual temos consciência daquilo que fazemos ou produzimos, pensamentos, acções, fala e sentimentos, todo ele claro e perceptível para nós mesmos, uma instância em que as nossas ideias pertencem ao campo do pensar de uma forma controlada. Quanto à Pré-consciente, momento em agimos por inconsciência, mas que poderemos transitar à consciência, como o sonho por exemplo, enquanto acontece, estamos no reino de um estado de inconsciência, mas regressamos à consciência ao acordarmos, e poderemos lembrar-nos do que sonhamos. Inconsciente é sim, o estado em que as ideias estão reprimidas e ficam guardadas como desejos, e isso acontece quando há uma censura que vem do meio externo, forçando-nos a esconder tudo o que não é aceite, daí, uma repressão que acaba em comportamentos destrutivos, preenchidos de falhas que depois muito nos afecta.
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