Textos de Jeremias Maxaieie
Maneta
o poema começa
quando a mão desagua
no mar, em delta,
do insano ser
da alma infrene
incógnita e revolta
só depois
(e devagar)
dessolvem-se os dedos,
a palma da mão
e o braço todo
em átomos de desconcerto
para que o poema seja
alheio à mão
alheio ao homem
alheio à alma
e viva.
Estuário ( o biótopo do amor)
sinuoso ribeiro plácido
apressa-te para o mar! desagua em mim!
trazendo cardumes de catádromo placton
ao nosso biótopo fértil de libido;
conquanto jogarei bravas, minhas vagas
às falésias do leito do teu peito
suspiros de maresia embassando teu rosto,
tempestades de denso queixumo ao vácuo
quando se inundar a desembocadura do nosso amor
e se transformar em eterna
a natureza da salobra acoplação
do teu ribeiro e do meu mar
maçaroca assada
o aroma da maçaroca assada
das esquinas das paragens imundas
dos subúrbios de KaMpfumo e da Matola
enlevam em mim um orgulho singelo
que não pode ser sentido
nas efémeras compras de um final de semana prolongado
nos fúteis mega-shoppings de Nelspruit e Johannesburg
no fugão crepita o carvão
aceso pelo calor das pernas abertas
da mamana que, isenta de cuidados
as manuseia, quentes e robustas
anunciado húmil preçario:
“aqui é 10, aqui é 15, aquí é 20”
o fogão é ladeada por um poste de electricidade
donde fede a urina drenada por clientes embriagados
na frente, um caminho de terra abarrotado de transeuntes
e de xicorocoros que, flatulando outros fumos
esborrifam das rodas, salpicos imundos de matope
maçaroca assada
é o aroma da minha terra
que custa 10, 15 e 20, também na Mafalala e no Xiquelene
maçaroca recheada com urina, fumo e matope
aquecida pelo fogo das pernas abertas da mamana
é esse aroma que têm as coisas da minha terra
é esse o aroma do meu orgulho, do meu país, da minha pátria
QUE HORAS SÃO?
por onde vieste?
mande-se abolir os caminhos
para que não te vás.
já há tantas noites
que o teu sorriso transbordou
os subtis limites da inocência
inundando os espaços da casa.
teu olhar é um chamado
ao platônico abraço no escuro.
é o laço que transforma, na noite
todas as brisas em um suspiro
o que disseste?
mande-se abolir as palavras
para que não digas mais nada
sussurraste “amor” no ouvido da alma
e outros murmúrios do vocáculo do silêncio
já faz tempo que teus olhos são palavras
que imploras tuas ávidas vontades
na tímida mudez dos teus gestos
na noite, tacteei o vácuo
na ânsia de catar estrelas
e dei por mim na madrugada
apalpando as galáxias do teu corpo
que horas são?
mande-se abolir o tempo
para que este instante não se acabe.
***
Jeremias Maxaieie, nascido na Praia de Xai-xai em 1986, iniciou-se na poesia em 2002 quando aluno na escola comercial de Maputo.
Fez parte de pequenos movimentos literários. É amante do estilo poético moçambicano, da criatividade da geração dos poetas nacionais contemporâneos, da qual faz parte.
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