Poemas de Norek Red

Textos de Norek Red

NAUFRAGO – A ROBERTO DE LA GRIVE

Escrevo agora não por capricho, mas por manifesta necessidade.
Dum lado o Ipad como estrela cintila e negros asteróides
pendem um “A ilha anterior” de Humberto Eco
e partilhando da mesma sina de um Roberto de La Grive
naúfrago num flutuante pedaço de madeira sobre o mar
a noite, esse embrulhado pedaço de cansaço e tédio
dá-me a graça de um naúfragio próprio, feito a medida,
elástico, com todas nuances misteriosas do tempo
com todos espaços ocultos, opacos. Todos os rascunhos
incofessos de um amor louco. Estou amarrado ao corpo,
a mim e outras inquietudes flutuantes d’alma.
Nesta noite, nesta pequena cozinha, lugar inusitado
para cantar os hinos da inigmática existência
a que estou apregoado, sou eu o naufrago. Junto a mim,
a esta mesa, a esta sina, além de um De La Grive
nos Ecos de um Humberto, Adele devota ao mandamento Bethoveeniano
“só quebre o silêncio se fôr para melhora-lo” fatia-o em Remedy,
Love in the Dark, All I ask, River lea. Finalmente à revelia contemplo
o grito de uma anónima existência entre a chávena de chá
esvaziada a sofregos goles, o olhar felino de Faraday
e meu estranho naufrágio em terra firme.

À FAURA AMISSE

O dia cresce nublado, forte, robusto tal qual raiz de embondeiro.
Paira na orla do cais a presença do tédio.
A vida, ela mesma deita de bruços resignada da sua rotina.
“Viverei depois, agora só o agora importa”.
Assim despetalo a existência, só, sentada, de braços cruzados,
o corpo tendendo à preguiça, os olhos no vazio e a alma
tal qual a criança que inda mora em mim, inquieta, ansiosa
por receber o mundo de presente que muito embora embrulhado
às pressas conserva em si a expectativa e o mistério.
Em meio à ida e vinda de barcos, navios cargueiros,
pessoas, mercadorias, ondas, saudades, tédios, náuseas,
estou eu e o meu olhar naufrago. Estou eu abraçando tudo.
Estou eu abraçando-os a todos não pela alegria,
mas por suas dores desconhecidas e seu torpor colectivo.
Estou eu contemplando o momento, sua singularidade monótona,
triste, que então se rompe quando uma criança ao longe
sorri à sua mãe com a cumplicidade dos anjos e duma felicidade
até então anónima, oculta, indiferente, mas nunca distante.

Desenho de Joaneth
Desenho de Joaneth

LITURGIA DA DOR

De noite a lágrima reparte-se em dois,
o peito rasga-se, a dor extasia,
a alma tal qual pássaro, solta-se do Nó Górdio
do que me faz matéria.
E como que me santificando a dor põe seu cajado
sobre mim e vejo a face radiante do desespero
como o santo espírito estendendo a mão delicada.

Em mim a alegria se dissimula no caos,
na dor excruciante, na angústia,
no cansaço da noite que me sepulta o corpo
libertando-me a alma inquieta.

Quando a noite recolhe-se, chega o crepúsculo,
a cartase termina, a dor cessa, o tédio volta,
a dor dissimula-se na alegria, a alegria
nos desejos triviais, no amor líquido,
na vontade volátil que tal nuvem se esvai
no exacto momento em que nasce.

O MIRADOURO

Lá se vão as folhas no mesmo norte do vento.
É aqui, sentado as bordas da avenida
Frederich Engels que vejo-me contemplador
quiçá o único que sabe beijar o sol poente.

Num pestanejar encenado viro telespectador
E ouvinte da conversa do azul do céu com
as inúmeras ondas.

No rústico banco nada importa; nem o crime,
nem a decadência da democracia ou a turba
multidão da baixa da Cidade das Acácias
na rotineira prostituição da dignidade reduzida
a uma vida de cinza e morte.

No Miradouro a tarde era a fluorescência
que detinha todas as dores do dia,
só ela era a ilha banhada do sossego,
o retiro semi-eterno para uma alma
pelas angustias ensandecida.

Ali, o vento por vezes se permitia descompassar,
mas não quebrava a monotonia; ainda levava folhas
ao norte,o mar ainda existia, o sol deitando-se
negou o tédio afundando nas águas.

E eu, sem tarde, sem sol, sem animo
Permito-me então o copo com silêncio
Contemplando o velório do sol no céu
quando a plenitude de Deus lá atirou
as suas flores estrelares.

Tarde morta, tédio morto, velório consumado.
Levanto-me e sinto que se aquieta o espírito,
o coração fica mais leve.

Sorrio, a fatia do tempo varreu-me as dores.
A tarde foi-se e já se faz noite e daí, quem
se importa?

***

Kheron-Hapuch de Esperança Nhabomba ou simplesmente Norek Red, nasceu a 09 de Dezembro de 1996 na Cidade de Maputo. É licenciado em Sociologia com Habilitações em Desenvolvimento Rural, pela Universidade Pedagógica. É criador do estilo poético tautoindriso, fundador e líder do Movimento e Associação Fénix e colaborador do site PALOP Ideart. Em 2015 estreou-se com a sua obra de poesia “Lírica Gramática”. Actualmente tem seus textos publicados em diversos blogs e antologias.

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