Poemas de Delalves Costa

Textos de Delalves Costa

O Efêmero
Já não leem o que escrevo
no agora, julgam-me apenas
pela inconstância do relevo.
Morrem a metáfora e o olfato
nos olhares que agonizam
sobre a semântica do ato…
Efêmero, alguém no outro lado
teme pela vida que logo
cairá no mundo da língua vazia.
Aqui: o amor erógeno. E lá
(entre carros e sombras)
está o caos sem fantasia;
vultos, inexistentes em si
entreolhamo-nos. Às Ruas,
nós estaremos apressados
pela interminável respiração
que se alonga já sem fôlego
para os olhos que morrem
ao ver o mundo sem poesia.

O Relógio
Me apunhalaram. Uma carne fria
com estímulos eletrônicos,
assim deixaram minha alma.
Me arrancaram o susto de vida
e deram corpo ao previsto.
A alma que soprava arrepios
agora é piano sem lírica
e palpável às mãos do mundo.
Carne de metal: não chora,
não contempla. Só vê.
Frio é o afago, como é
também o nosso tempo
– esse homem de muitas portas
e chaves humanas,
e contudo vazio de mistério.
Arrancaram da caixa mágica
a lírica, a música e o susto.
O sangue já não é quente…
O corpo já não me escuta…
Me apunhalaram ainda n’alma
e me jogaram à carne fria
que não chora nem contempla.
Me arrancaram o susto
e no lugar puseram o relógio.

Desenho de Joaneth
Desenho de Joaneth

Made in Brazil
O catador pão-dormido então acordou
envolto ao frio e vento
sob notícias do jornal.
O café matinal é farto:
folhados, quinhentos-queijos café
expresso londrino pães
leite suíço (vacas azuis)
e sucos do laranjal tipo export.
Made in Brazil, a fome à farta
mesa tupiniquim: suor
de sol a sol bordado com petróleo
e estampa canavieira.
Enquanto isso, brasil
(de ruas viadutos calçadas)
vaga à revelia empurrando
recicru i fasso linpesa,
a língua-urgência de quem quer comer.

Epifania – a flor politizada

I
A encantar enjoos, estação
frente a ódios e metal
é primalírio da paz
primarianas, julias
josianes, primarias
primaveras e adrianas
gestação nascida, epifania

II
e vanguardistas,
avenidam-se decoloniais
a politizar flores
a polinizar lutas
seres de virtual placebo
primaveralizar:
leia-se ventania
e pólen além-fronteiras

***

Delalves Costa (13 de dezembro, 1981 – Osório, RS), escritor e poeta com vários livros editados, e publicações em coletâneas e em plataformas literárias impressas e digitais, no Brasil e em Portugal. É sócio-fundador e membro honorário da Academia dos Escritores do Litoral Norte (AELN/RS) e sócio da Associação Gaúcha de Escritores (AGES). Publicações recentes: extemporâneo (Coralina, 2019), Midiaserável (Patuá, 2020) e Óculos de princesa (Papo Abissal, 2020, infantil); capítulos em livros acadêmicos e artigos científicos em revistas, livros, e esporadicamente, ensaios na destacada revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa/Literatura. Em 2019, foi um dos 60 autores seleccionados para o Projeto Autor Presente, do Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul. Mestre em Educação (Uergs). Graduação em Letras Português e Literatura Portuguesa (Unicnec). É professor de Língua Portuguesa, Literatura, Metodologia de pesquisa e Linguagens Aplicadas na rede pública estadual de ensino do RS. Pesquisador e palestrante nos seguintes Campos de estudo: literatura contemporânea; literatura locus-regional; direito à literatura e à leitura; diálogos entre literatura, história e culturas locus-regionais; educação, diretos humanos e fundamentais e decolonialidade; currículo intercultural e protagonismos educativos

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