Textos de Renée Vidal
A volta da fogueira
E os pássaros que cantam
para anunciar a chuva
E os rios que correm velozes
na terra dos espíritos
E a chuva que bate na chapa de zinco
gota à gota
enchendo corações de sonhos
E os macacos que se soltam
vulneráveis pelo mato
E o quissonde que ataca de noite
E a fogueira,
Oh… a fogueira das estórias do quimbanda
do dikixi do n´zuji e n´simba.
até de príncipes e princesas.
E o dilembo que cura braço partido
E o charope amargo de raízes
que cura mbumbi
E as folhas que curam dor barriga
E o dilundo do salalé o makoko o tsombe…
E os n´tambus de paca de Mbende de mbuengu
de tsexi de n´gola de n´kuia-kuia…
E o bom dia o bô tarde o bô noite; Mamã Joana
tia Doroteia, tio Chico, primo Ferreira,
Sô Januário, Mamã quimbanda, pastor Braz…
Ó vozes ó vozes ó vozes…
da terra onde o meu umbigo
Está enterrado!
Quero voltar …
Mas só se for com o chamamento
de n’goma!
Porque o meu espírito paganizou-se.
Corpos sem memória
Há corpos
do meu corpo
enterrados
no mato
no capim
na cidade
na vila
na aldeia…
Dos meus sonhos
Há corpos
de muitos corpos
que agonizam
no Nilo
no Congo
no Zambeze
no Níger
no Vaal
no Incomati
no Webbe shibeli
no Chari
De muitos sonhos
Há corpos
de outros corpos
que o Atlântico e o Índico
levaram para o vale das sombras
e os seus espíritos
vagueiam amedrontados
sobre as árvores
De outros sonhos
Há corpos
de vários corpos
mutilados
despedaçados
torturados
desmembrados…
De vários corpos
Há algo
inumano.
Luanga
Tragam pedras
para fazer forquilhas
tragam lenhas e archote
para fazer lume
tragam fuba de bombo de milho de candumba
e kizaca , nfumbua , macaxiquila , macunde , batata , kissadi , gimboa , mandioca , ginguba , bagre , cabuenha , pucu , nsombe , makoco , salalé …
E fruta bastante fruta
abacate , manga , goiaba , maracujá, mucua , loengos , dendêm , tangerina , banana , mamão ,
sapi-sapi , tambarino , maboque , carambola, Pitanga , ginguenga …
Ah… e maruvo
os espíritos também se embriagam
Tragam como convidados
Nzinga-a-nkuvu ,Mpemba nzinga ,Ngola kiluange , Ngola nzinga ,
Ngola mbande, Ekui-kui, Mandume , Nzinga mbande …
(E não se constrangem em fazer perguntas
sobre nós Mon’angolas)
Não tragam batuque
nem maboco
para que os espíritos
não se paganizem
Não tragam o ngandu (só pensa em política)
para não mentir descaradamente
e levar sozinho
os restos do banquete
Quando a lua
rasgar a floresta
e as árvores se despirem para a festa
Luanga virá disfarçada de mboma
aquela que vira sereia
no banquete dos espíritos.
* * *
Renée Mussenga Vidal Nasceu a 31-08-1974 numa aldeia do município do Negage, província do Uíge (Cangundo). Vem para Portugal com o pai em 1989 com 14 anos, onde conclui o ensino secundário. Em 2008 entra para a faculdade de direito de Lisboa, frequentando um ano. Enquanto ator, inicia-se no teatro em 2009 e estreia-se profissionalmente em 2011 com a peça “Recordações de uma revolução” de Heiner Muller numa adaptação e encenação de Mónica Calle, e a peça é aclamada com o prémio “ Melhor peça do Ano”. “Ecos no Silêncio”, escrito em 2004 é o primeiro de 6 obras compiladas. O primeiro trabalho literário a ser editado.
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