Poema de Henrique António

Texto de Henrique António

em mim a posse sem regresso
a infância perdida

primos que se casaram, emigraram, ausentes
– não tenho desculpas suficientes para lhes ligar –

posso também chorar a morte dos que partiram no sentido de sepultura e flor
no entanto, não há um luto convencionado para a adolescência sem repetição:
a impossibilidade de rapazagem [1]

há neste silêncio, que é o viver longe e em outras casas
cega, surda solidão

primos sendo não primos
a beleza das coisas só em meninos

pergunto-me:
como se chora o não poder brincar às escondidas?
o não comer chicletes duas duma vez e andar com cães na rua?

“roda ao longe o outono,
e o que é o outono?” [2]

como se faz luto duma morte onde ninguém se assume?

– desconfio que a insónia seja a ondulação do passado galgando a cabeça –

em silêncios nos distanciamos
compactuando com esta falsidade
dos funerais

porque a morte está naquilo que amamos
e não se ama
vezes mais.

[1]. “Rapazagem” – Calão/Neologismo para conduta infanto-juvenil de pendor consideravelmente masculino. Proveniente da palavra “Rapaz”.
[2]. Herberto Hélder, in minha cabeça estremece com todo o esquecimento.

Desenho de Joaneth

* * *

Henrique António, nascido em 1997, natural de São Miguel, Arquipélago dos Açores. É licenciado em Estudos Euro-Atlânticos pela Universidade dos Açores, tendo sido Presidente do Núcleo de Estudantes da respetiva Licenciatura. Tornou-se membro, em fevereiro de 2019, da Juventude Socialista de Ponta Delgada, onde é militante ativo e colaborador do Blog A Tua Voz.

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