O dia do teu adeus começou confuso. Iniciou com chuviscos, mas logo se dissiparam e cederam ao espectáculo do sol. Houve sol para todas as cabeças, rostos e peles que se fizeram à Praça da Independência para te prestar a última homenagem, para te dizer adeus. Gotas de suor entornavam por debaixo dos queixos das pessoas, escorriam pelos braços e arrefeciam o chão quente e implacável daquele lugar. Mas a tua gente, a nossa gente, o povo, o povo no poder esteve lá de punhos no ar a cantar a tua música. Ainda deixaste-nos o teu último sorriso com aquele arco-íris.
Para nós o mês de Março começou murcho, um mês cruel e gelado para os moçambicanos, um mês duro e metálico e que corta a alma, que estilhaça as esperanças, um mês que é indiferente à dor. Mia Couto, no seu “Poema de Despedida”, escreve:
Não saberei nunca/dizer adeus/ Afinal, /só os mortos sabem morrer /Resta ainda tudo,/só nós não podemos ser
Talvez o amor,/neste tempo,/seja ainda cedo
Não é este sossego/que eu queria,
este exílio de tudo,/esta solidão de todos
Agora /não resta de mim
o que seja meu/e quando tento
o magro invento de um sonho/ todo o inferno me vem à boca
Nenhuma palavra/alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,/escrevo
Este é o poema de dor e não existe outro que expresse melhor que o que aqueles rostos, de punhos no ar, com um ar de nostalgia, demonstravam ali na Praça da Independência. É o poema da frieza, da despedida, do adeus, da melancolia, do anúncio do fim da vida, do recomeço de outras, é o poema do nascimento da revolução que se quer ainda de pés descalços.
Agora olha para as tuas pessoas que se fizeram à praça, que madrugaram, que subiram “My Love” só para te ver naquela caixa de madeira. Olha para esta gente que fixa o olhar no além para esconder as lágrimas por detrás do grito “Povo no Poder”, as lágrimas que preenchiam o canto dos olhos, lágrimas seguradas pela promessa de “fazer o combinado”, ao testemunhar as mensagens de despedida. Olha para as tuas crias. Olha para este povo que prende o grito da liberdade na garganta.
Sobra-nos uma mágoa fria e triste no canto das lamentações, tão seca quanto o soprano gelado da tua colega Rhodalia Silvestre que te fez homenagem e também chorou através daquele canto fino, com aquela voz que preencheu o vazio daquela sala, aquela melancolia quando balbuciou “hita sala na mani?” (com quem ficaremos?).
Tinhas de ser tu a fazer isto connosco. Acompanhamos-te desde a tua saída do Hospital Central. És grande que até no sono atrapalhas o sono dos “grandes” como um mosquito, bro. Mas milhares de braços, uma só força, desde o Paços do Conselho Municipal até a última moradia, em Muchafutene, o público a bateu as palmas, a agradeceu pela luta, empenho, dedicação, pela vida que deste aos moçambicanos. Foste combatido, mas combateste um bom combate, o eterno vencedor das causas perdidas. O povo está pronto para fazer o combinado. Povo no Poder, sempre!