Contra Crítica Acrítica

Por Mabanza Kambaca

1. Introdução

O que vos trago hoje não é uma conversa que cura feridas, ou conversa de jantares ou de reuniões, nem sequer um discurso de sermão das igrejas, ou mesmo, uma diversão de televisão e rádio, senão uma discussão, análise e/ou uma avaliação dialéctica da doxografia, ideologia e idealismo literário coexistentes no âmbito dos estudos literários angolanos das faculdades de letras; trata-se de uma crítica comparativa e objectiva dos estudos literários. Portanto, por ser um discurso da juventude, de sangue e suor, alguém pode lançar pela janela o que considero válido, ou abandonar-se em ideias vazias de consistência de que tudo está bem por cá, mas não.

Sei que uma crítica pode enlouquecer a quem se dirige e lhe reduzir para uma impotência; assim também como sei que um crítico pode criar mais falsidade no seu discurso do que qualquer outra pessoa, porque a pessoa contra a qual se volta a crítica deixa, involuntariamente, de seguir seu caminho. De facto, não pretendo impedir ninguém de continuar no seu lugar de conforto; não obstante, não subestimo a fé daqueles a quem me oponho. Apenas compartilho a minha razão sobre a verdade literária. Desejo que manifesto como serviço que presto à humanidade; uma das coisas que me impõem gratidão eterna.

2. A Academia Arcaica: Causas Gerais

Existe uma crise de estudos literários em Angola que resulta, desde já, da falta de qualidade científica e filosófica dos discursos de alguns estudiosos e professores das faculdades das letras. A academia sendo um dos factores de institucionalização da literatura, como defende Carlos Reis, devia, em Angola, servir como o garante da notoriedade e estabilidade da sã literatura;

A dogmática científico-literária reconhece vários factores que concorrem para a institucionalização da literatura, nomeadamente: as academias literárias, os prémios literários, a crítica literária e o sistema de ensino de determinado país. Entretanto, posso afirmar categoricamente que todos esses factores elencados aqui não fazem fé em Angola para uma busca acérrima da verdade científico-literária.

Em primeiro lugar, porque as Academias estão eivadas de um grande engano e vício de investigação dos conhecimentos no âmbito dos estudos literários, na medida em que as faculdades que as representam pautam sempre em critérios da política partidária e não estadual para a vanguarda da literatura; os professores optam sempre para uma análise doxográfica da literatura, facto que torna fóssil e ideológica a aula da literatura do nosso país.

Em segundo lugar, os prémios angolanos estão cheios de júris e críticos literários incapazes de subsistir à uma nova roupagem de imparcialidade e isenção na análise dos concorrentes. Existem livros e seus autores que não deviam merecer sequer menção honrosa, todavia o mereceram. Muitos são os livros que venceram e que acabam por esgotar nas primeiras leituras, deveras, não existe neles o carácter de arte; dando a entender que os árbitros dos mesmos concursos literários têm se baseado em critérios estranhos à literariedade e à selecção conveniente dos vencedores. Não se atende a qualidade artística das obras e sim da simples angolanidade dos textos, teoria tal que manifesta a falta de uma disciplina crítica e por isso in fundável para a afirmação da literatura que se quer inteligente.

Em terceiro lugar, o sistema de ensino que é controverso à realidade do país, por motivos de falta de um programa correspondente às exigências do contexto, a falta do cânone literário expresso pelo Estado, as dificuldades de acesso às bibliografias capazes de moldar as consciências da sociedade, bem como a crise dos valores morais e filosóficos. Afinal não se pode apartar da escola a Filosofia.

3. Da decadência da Crítica Literária e/ou Estudos Literários

As perguntas são deveras lógicas, e de facto, não são poucas as vezes em que me têm sido feitas, e nunca soubesse, na verdade, o que responder. Não obstante, se o que as pessoas procurassem saber fosse: “andamos satisfeitos com a produção de livros sobre estudos literários? Há já em Angola alguma faculdade capaz de produzir ciência e crítica racional sobre a literatura?” Obviamente que a minha resposta seria não. A pergunta estaria a ser feita a um homem que acredita que a negação não significa haver inexistência de livros nesse sentido, eles são produzidos com base a lógica em que está ausente a qualidade dos mesmos e não cobrem a demanda de leitores que procuram pelo conhecimento do fenómeno literário adequado ao tempo.

Por quase 40 anos, que essa crise persiste com a impressão que daria uma grande culpa às nossas faculdades de letras que não elevam essa tarefa com preocupação, se nos ativermos na ideia de que elas constituem o centro das ciências, a vanguarda das humanidades, o lugar da produção de técnicas e artes, a forja do homem do futuro; pelo que qualquer tentativa de ensinar a teoria da literatura seria precedida por um programa completo que não perderia tempo em conteúdos ultrapassados. Ou, como se espera,as faculdades terão de admitir que andaram a cometer falhas.

4.1. A irracionalidade na interpretação literária angolana

A racionalidade é uma faculdade genuinamente humana que estabelece uma série de critérios que se constituem num código comum de interpretar a realidade de forma compartida, (Maestro, 2017). Os sistemas literários que negam o racionalismo como critério da produção dos conhecimentos caem imediatamente em sérias crises de diversa natureza.

As faculdades angolanas de letras, muitas vezes, aparentam produzir conhecimentos literários a nível, mormente da crítica e da teoria, à margem do racionalismo e, por consequência, se guiam por critérios nomeadamente ideológicos, mitológicos e morais (religião, dogmas, crenças, fé, mitos e poder), a política no seu desejo da busca pela liberdade e pela administração do poder, às vezes, lesa, involuntariamente, o sentido da razão; «a razão e o poder são terríveis adversários». De facto, está confirmado que não deve haver continuação de todo um estudo literário cujo autor se deita na mesma cama com a poder. É deste modo que, os estudiosos não devem, em nenhuma altura, reflectir e escrever textos que exprimem a vontade política das promessas descabidas dos políticos.

Os estudiosos das literaturas, em certas faculdades de letras, são ensinados e capacitados em estudos de fenómenos literários de modos a cultivar os seus próprios padrões de julgamento distorcidos sobre literatura; não têm mais liberdade, tempo e motivação para absolver e utilizar a história cultural, bem como afastar-se dos sonos sociais a que muitos professores estão mergulhados com uma grande comodidade.

Jesús Maestro, na sua Crítica da Razão Literária, afirma que a análise da Literatura não se deve fazer de forma inconsciente, ou seja, não se pode interpretar a literatura irracionalmente porque ela resulta de uma construção da razão humana. Portanto, não existe irracionalidade na arte.

Assim, podemos afirmar que a maioria dos estudos literários e/ou crítica literária feita nas faculdades de letras, não estão baseados na racionalidade, por dizerem respeito às ideologias, políticas, doxografias e ignorâncias óbvias. A literatura não deve ser um campo dos irracionalistas; pelo que, a semelhança do que acontece em sociedades bem esclarecidas, a razão seja imposta nas faculdades pelo Estado através da política. Porque entende-se que, se a literatura se constrói da razão humana, então, a sua interpretação tem que obedecer aos critérios racionais. A universidade teria uma tarefa tendente para exterminar o irracionalismo.

Todos os críticos literários patronos de irracionalismos, sem dúvidas, pertencem a uma contemporaneidade arcaica; não há, nos seus discursos, um verbo de renovação científico-literária, autênticos idealistas, falta-lhes uma linguagem materialista. Confirmando assim, a sua própria falta de expressão científica. Sobra-me, então, a ideia de que vão escrevendo livros e/ou obras com a fé de que concorram na empreitada teleológica e marxista de exterminar a literatura. Parece-me que tais professores e os seus discípulos fiéis não coadunem com a ideia de que a literatura é o garante da continuidade da espécie humana; porque só o homem é capaz de produzi-la manifestamente.

4.2. A Crítica Acrítica 

A crítica literária é uma faculdade humana que permite estabelecer valores e contra-valores e tomar partidos. Do ponto de vista do materialismo filosófico, entende-se como crítica literária a classificação, ordenação, valoração e análise do que se constitui na criação de uma interpretação científica e dialéctica dos materiais literários. Tem um valor destrutivo contra aquilo que se apresenta inconveniente em relação a razão, Maestro, (2017). Essa faculdade é que parece não existir como tal nas instituições angolanas de letras durante muito tempo; os estudiosos que se primaziaram nesta tarefa falharam, pela pobre e estática literatura que permitiram e reconheceram; Para exercer a crítica é preciso cultivar a dialéctica, como ensina Jesús Maestro, «só podemos interpretar correctamente quando nos colocamos na posição contrária daquilo que se interpreta, (pensar e interpretar é sempre pensar e interpretar contra alguém)».

De acordo com o materialismo filosófico, como teoria da literatura, a crítica literária deve ser científica e dialéctica, e não pode ser doxográfica, ideológica e moral, por serem formas acríticas de conduzir e expressar o saber literário à margem da ciência e dialéctica que são as formas adequadas de busca da verdade e objectividade dos conhecimentos.

As faculdades de letras angolanas exercem, muitas vezes, uma crítica acrítica, na medida em que elas obedecem aos critérios doxográficos que impõe a fossilização da literatura, porque tem sido exercida distante do presente, respeita também aos critérios de interpretação ideológica da literatura, constitui um conjunto de estudos recheados de opiniões vulgares, (doxa). Não existe uma crítica literária que implica uma teoria de revolução da literatura porque as pessoas que se incumbem dela são intelectuais colaboradores do poder e nunca foram contra os decretos e despachos que juraram controlar a arte.

As interpretações racionais não podem ter como critérios gostos de certa maioria por obras determinadas, a literatura não se reduz a um psicologismo pessoal, não se pode confinar aos gostos de uma pessoa ou de um grupo, nem tampouco a um racionalismo idealista. Ao exercermos a crítica literária estamos obrigados a seguir normas e princípios da interpretação. Para que a crítica literária seja objectiva é preciso que obedeça os modos imanentes do conhecimento: as definições, demonstrações, modelos e classificações.

4.3. A Ciência e Ideologia

A ciência é um conhecimento racional que está baseado numa interpretação causal, objectiva e sistemática da matéria; Maestro, (2015, pág. 105). Ideologias são mitos racionalizados, são conjunto de crenças, fenómenos e aparências que se fundamentam num sofisma ou num racionalismo acrítico, são formas de se reduzir as leituras à leituras padrões de autores convencionados pelo poder, são dogmas. A crítica ideológica desvanece a literatura na medida em que a literatura resulta de um conhecimento racional ou conhecimento científico e não se pode produzir argumentos sobre literatura que venha da ideologia. Ex.: do poder ou da religião.

As Ideologias são igualmente discursos que correspondem à defesa ou preservação de crenças e aparências que se fundamentam num sofisma ou num racionalismo acrítico, são formas de se reduzir as leituras à leituras padrões de autores convencionados pelo poder, são dogmas. Em Angola a crítica produzida em algumas faculdades tem sido, de forma insistente, objecto de ideologias, sendo certo que determinados intelectuais que são também políticos decidem adoptar um discurso em que sua alma não lhes corresponde e, por infortúnio, a sua história deixa de ter dignidade.

Não deve, o crítico, deixar que a sua ciência e o seu político trabalhem juntos na mesma cadeira, no mesmo quarto e nos mesmos caminhos por onde buscam o ser. Do mesmo modo que não deve conduzir os seus estudos à práticas indevidas como as que Luíz Zafon faz menção no seu O Jogo do Anjo, Pág. 3, quando escreve: «um escritor nunca esquece a primeira vez em que aceita algumas moedas ou um elogio em troca de uma história. Nunca esquece a primeira vez que em que sente o doce veneno da vaidade no sangue e começa a acreditar que, se conseguir disfarçar sua falta de talento, o sonho da literatura será capaz de garantir um tecto sobre sua cabeça, um prato quente no final do dia e aquilo que mais deseja: seu nome impresso num miserável pedaço de papel que certamente vai viver mais do que ele. Um escritor está condenado a recordar esse momento porque a partir daí, ele está perdido e sua alma já tem um preço» adaptando essa orientação para o estudioso, evita que ele seja objecto de uma ciência efémera.

Um crítico literário não se pode orientar por critérios ideológicos, não se pode prender em dogmas ou crenças ao discutir sobre um campo de conhecimentos como é o que encerra a Literatura; porque as ideologias são irracionais; portanto, só a ciência é capaz de fluir a luz da razão.

Marx considerava comparativamente a Ideologia à uma máscara da realidade. Os amantes dessa escola compreenderam que ela é uma ideia, discurso ou acção que mascara um objecto mostrando apenas sua aparência escondendo suas demais qualidades. Portanto, ideologia difere da ciência por lhe faltar fundamentos metodológicos exactos e capazes de comprovar as suas defesas, (http://www.significados.com.br. 28.04.2019).

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Mabanza Xavier Esteves Kambaca, nascido aos 18 de Dezembro de 1991. Poeta e aprendiz de Crítico Literário. Membro do CE3L (Círculo de Estudos Literários e Linguísticos Literagris). Licenciado em Direito pela faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. Pós-Graduando em Políticas Públicas e Governação Local pelo Centro de Excelência da U.A.N. Natural do Uíge. 

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