De câmara fotográfica em punho, entre os becos estreitos cor de ferrugem, Mauro Pinto (Maputo, 1974) pediu para entrar nas casas de Madeira e Zinco do icónico bairro Mafalala, em Maputo, para fazer as fotografias que resultaram na exposição “Dá licença”, a ser inaugurada na Galeria da Fundação Fernando Leite Couto, no dia 11 de Novembro.

A mostra comporta fotografias que têm a intensão de satisfazer o imaginário do autor que, apesar de não conhecer o bairro na infância, o lugar sempre pertenceu às suas memórias, pois cresceu a ouvir falar desse pedaço periurbano, donde saíram grandes nomes das artes, cultura e política do país.

Focando a objectiva em utensílios, sofás com a esponja à espreita, paredes que testemunham várias histórias de vida, no interior de casas, algumas existentes desde 1930, Mauro Pinto submerge no íntimo dos seus residentes. Mais do que o registo de imagem, o fotógrafo transmite a dignidade dos respectivos habitantes.

Durante o processo, contou-nos, “uns vêm, abrem e deixam-me entrar, e eu automaticamente deixo que eles entrem em mim”. É nesses instantes que a carga emocional define a estética presente nas imagens.

Estas pessoas, prosseguiu ele, que o deixam entrar nas suas casas “são sagradas”. “Eu peço licença, mas quem entra são elas”, acrescentou o fotógrafo, para quem os projectos não são estéticos, são vida.

Mafalala, bairro nascido com a transferência da capital de Moçambique colonial, da Ilha de Moçambique para a então Lourenço Marque, como estratégia do regime de garantir que os sul-africanos não tomassem o território (que chamavam de The Lagoa Bay), é composto por gente vinda de vários cantos da costa do Índico.

A dimensão humana deste trabalho, para lá das imagens, é evidente quando, por exemplo, o fotógrafo narra sobre “um vovô da Ilha Mayote conta a sua história, de como chega a Moçambique depois de ver vários colegas a morrerem quando o barco em que eles vinham se afundou”. O embrião de “Dá licença”, segundo Mauro Pinto, é a natureza da dimensão humilde das pessoas.

Obediente ao envolvimento na experiência, fez registos maioritariamente no mesmo ângulo, meio triangular, que permite ver a estrutura destas residências e as suas mobílias, todas tratadas com muito carinho e amor.

“Cada casa tem seu cheiro, ruído, por vezes com um silêncio ligeiro, e a musicalidade do bairro tem estas misturas de culturas, religiões e luz… a luz neste trabalho tem individualidade própria, como as pessoas que vivem nestas casas”, observou Mauro Pinto.

Nesta exposição, o fotógrafo prossegue o seu traço característico de escancarar a realidade social, a questionar as condições de vida, relacionando o presente e o passado ou vice-versa. Parte do detalhe para atingir a essência, rodeado de poetas, como Noémia de Sousa, José Craveirinha, Mia Couto, Leo Cote e M.P. Bonde.

Com “Dá Licença”, Mauro Pinto foi o primeiro fotógrafo internacional a vencer, em 2012, o Prémio BESPhoto em Portugal.

Mauro Pinto (Moçambique, 1974). No final dos anos 90 fez um curso de fotografia pela Monitor Internacional School e, na mesma altura, um estágio com o fotógrafo José Machado, depois de ter sido orientado por Ricardo Rangel. Das exposições individuais destacam-se: 2015, Palácio Cadavel, Évora e 2004, Centro Cultural Franco-Moçambicano, Moçambique. Das colectivas: 2014, Galeria 111 Lisboa e Porto e 2013, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa e Paris.