MUSEU NACIONAL DE ARTE: O medo de ser esquecido pela história

A FALTA de aquisição de obras por parte do Museu Nacional de Arte preocupa artistas plásticos, que se sentem excluídos e vêem o risco dos seus nomes ficarem ao lado da história da arte moçambicana. A direcção culpa a crise financeira que o país atravessa.

Uma pintura a óleo sobre unitex, de 1969, de Jacob Estevão Macambaco, destaca-se à entrada da sala de exposição permanente do Museu Nacional de Arte (MUSART), em Maputo. Noutro canto está patente a tela de Bertina Lopes, podendo contemplar-se ainda a escultura de Alberto Chissano.

As outras obras patentes também não fogem muito dos nomes que o historiador Aurélio Rocha e a museóloga e historiadora de arte, Alda Costa, apontam como fundadores das artes plásticas modernas moçambicanas. Neste naipe estamos a referir-nos a Malangatana, Mankew, o desconhecido Luís Polanah, bem como português João Ayres, entre outros.

Percorrendo a sala à direita, no rés-do-chão do museu, na Avenida Ho Chi-Min, onde está montada a exposição permanente, as “vozes” mais jovens do contexto contemporâneo estão ausentes. Até porque nem uma fotografia há, quando o Estatuto Orgânico do MUSART, de 11 de Junho de 1996, diz que esta é uma disciplina que deve estar presente.

Visitar aquele espaço, pela curadoria, é, sobretudo, reviver um outro tempo – consequência dos ajustamentos a que o regime imperial português foi obrigado nos anos 50 do século XX. Foi nessa altura que introduziu-se o multiculturalismo para sustentar o discurso pluricontinental do regime colonial.

É por essa razão que as gerações mais recentes sentem-se excluídas. Se bem que, conforme Alda Costa, no livro “Arte e Artistas em Moçambique”, a questão sobre que artistas podem ou devem estar ali expostos é problemática desde 1989, aquando da sua abertura.

“A exposição com que o museu abriu ao público suscitou debate sobre a arte e os artistas que nela devem constar”, refere.

Este ponto de discussão, escreveu ainda, naquela altura reflectiu as diferentes percepções sobre a modernidade, a arte moçambicana e os artistas moçambicanos.

O esclarecimento, entretanto, a esta dúvida encontra resposta no respectivo Estatuto Orgânico, quando define a área de especialidade: “o Museu Nacional de Arte cobre a arte visual contemporânea e relacionados, abrangendo em particular obras de artistas nacionais e internacionais em diferentes épocas, modalidades e estilos”.

O artigo seguinte ordena que as atenções deverão estar viradas para as “obras de grande valor” que, no nosso entender, seriam definidas, em parte, pelo Departamento Científico do Museu, uma vez que, por definição, a entidade é de carácter cultural e científico, cabendo à mesma pesquisar e documentar o que acontece na área.

Levando em consideração que o MUSART deve reflectir os capítulos da história, no que diz respeitos às artes, a ausência significativa de gerações posteriores ao Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique (MUVART) suscita indagações.

Refira-se que quando se fala deste movimento não se está a assumir que apenas os integrantes deste merecem atenção. Recorremos a ele pelo marco que representa o papel desempenhado depois da geração de artistas como Ídasse Tembe, Naguib, Simões, Victor Sousa (Noba Ngay), entre outros.

Alda Costa, na comunicação que apresentou no IV Encontro de Museus de Países e Comunidades de Língua Portuguesa – cujas actas foram publicadas em 2012 – refere ainda que Malangatana foi um dos entusiastas envolvidos na criação do MUSART.

Ainda no mesmo documento intitulado, “Museus de Moçambique: Na Encruzilhada de Tempos, Tradições e Práticas”, avança que a necessidade de criação do mesmo já era discutida na década 50 do século passado.

A proposta era uma Galeria de Arte da Cidade de Maputo para resolver as crescentes exposições que a urbe acolhia e competir com as vizinhas cidades sul-africanas de Durban, Cidade do Cabo e Joanesburgo.

Tendo Malangatana frequentado os círculos do Núcleo de Arte, nessa altura, não se descarta a hipótese de se ter apropriado da causa que, mais tarde, ajudou a materializar.

Com a conquista da independência, em 1975, surgiu a necessidade de criação de museus que preservassem os valores identitários, o passado de humilhação colonial. É neste contexto que surgiram nos anos de 1978/1979, respectivamente, o Museu da Revolução – entretanto fechado desde 2008 – e a Estação Arqueológica de Manyikene.

“O processo de criação do Museu Nacional de Arte, em Maputo, foi interrompido e só seria retomado anos mais tarde”, escreveu Alda Costa, na comunicação que estamos a citar.

A indignação dos artistas

NO alpendre do Núcleo de Arte, onde estão instaladas as oficinas dos artistas plásticos, a frescura das mangueiras fazia diferença e “enxotava” o calor intenso.

Independentes, os “arautos da liberdade” circulavam como proprietários do espaço. Alguns estavam a pintar ou a esculpir e outros conversavam, à espera que a inspiração aconteça ou um cliente passe a perguntar sobre detalhes de uma obra.

É num dos espaços mais importantes da história da arte moçambicana, fundada em 1921 para servir as artes – e que, até 1940, permaneceu interdita aos negros – conversamos s com Gonza, que há 22 anos trabalha com tintas e telas, reciclagem e escultura.

Gonza

“Eu nunca vi obras novas no Museu Nacional de Arte, ou de novos talentos. Desde que comecei a carreira as obras não mudaram ali”, lamentou, referindo que “só trocam as que estão no armazém, mas são sempre as mesmas”.

O mal disso, afirmou, é que as novas gerações não serão conhecidas pelos apreciadores, comprometendo a própria narrativa sobre as artes visuais em Moçambique. As excepções que estão lá neste intervalo de tempo, disse, são os que alguns directores apreciaram.

“Pessoalmente, há três anos fiz uma exposição individual aqui, em que a direcção do museu reservou duas obras mas nunca veio buscar”, contou, tendo acrescentado que “até quis fazer um desconto porque é uma honra estar representado num museu”.

É de tal modo significativo, continuou, que não descarta a possibilidade de haver artistas disponíveis a oferecer as suas obras. Mas não há manifestação de interesse por parte do MUSART.

Por sua vez, Falcão (Mussagy Narane Talaquichand), que expõe desde 1999, a reciclar materiais sob diferentes formas, foi mais cáustico e considerou: “Aqui não há museu. Aquela casa não nos representa”.

Entende que o edifício, para início desta conversa, é demasiado reduzido para albergar uma instituição que pretenda representar as artes plásticas de todo o país em diferentes períodos. “Desde a era colonial aquele prédio nunca foi alterado”, comentou.

O artista convida as autoridades do sector a olhar para as referências mundiais e adaptá-las à realidade moçambicana.

“Se, por exemplo, construíram um novo edifício do Ministério da Economia e Finanças, o Comité Olímpico, por que não montam um novo Museu Nacional de Arte?”, questionou Falcão.

A sua posição sustenta-se no facto de que na actual condição por mais que se compre obras não haveria espaço para as depositar. Ampliar o edifício iria significar inclusão.

“Existem ali grandes restauradores, conhecemos a boa reputação deles”, disse, a contar que quando esteve para instalar uma exposição individual há dois anos frequentou o museu diariamente e constatou esse facto.

Moçambique é país imenso

NO fundo da sala de exposições permanentes encontramos, no escritório, André Macie, pintor e presidente do Núcleo de Arte. Ele estava imerso entre pinturas e esculturas e em frente a um computador.

“Para nós é frustrante não ter as obras expostas”, queixou-se, recordando que há alguns artistas da geração de 1990 que tiveram o privilégio de expor os seus trabalhos no MUSART, mas que os que vieram a posterior não conseguiram. 

“Em Moçambique há muita produção”, observou o presidente do Núcleo de Arte, que, isso acontece num cenário em que há poucos artistas.

“Por exemplo, nas províncias de Zambézia, Inhambane e Manica está a produzir-se muito, mas nada do que lá se faz está representado no museu”, afirmou, insistindo que “Moçambique não é só Maputo”.

Esse hiato, prevê, poderá causar páginas em branco e omissão de alguns nomes e tendências na biografia das artes plásticas nacionais.

“De certeza que vai impactar na história de Moçambique”, disse, lamentando que há artistas que só estão expostos nos maiores museus do exterior, no Japão, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos de América, mas não estão aqui.

André Macie

A continuar como está, entende, fica-se com a impressão que a história parou nos nomes ali patentes. Que não há (houve) continuidade. “Parece que não há produção neste país”, acrescentou.

O presidente do Núcleo de Arte é da opinião que o Museu Nacional de Arte precisa de receber investimentos para a modernização e funcionamento pleno. E alinhou na ideia de Falcão, abordando a necessidade de ampliação das infra-estruturas.

Por outro lado, questiona o papel do Instituto Superior de Artes e Cultura (ISARC), que desde 2010 está a formar técnicos superiores que poderiam estar a servir o MUSART. “Onde é que estão a actuar os gestores formados nesta área?”, indagou, ao mesmo tempo que insiste que “não se está a capitalizar a sua formação”.

Uma crise generalizada

MARCOS Fernando é desde o ano passado director do Museu Nacional de Arte, em substituição de Julieta Massimbe, que foi à reforma depois de vários anos no cargo. Encontrámo-lo no seu escritório, no primeiro andar do edifício da Ho Chi-Min, onde prontamente recebeu-nos.

Marcos Fernando

Na conversa, ele contou que a sua instituição tem estado a prestar o serviço de restauração para outras instituições.

“Fizemos restauração de obras do Banco de Moçambique, que vieram da Ilha”, apontou.

Apontou ainda a intervenção feita no Centro Cultural das Telecomunicações de Moçambique (TDM), em Maputo.

Revelou igualmente que é ao MUSART que cabe a responsabilidade de manter o mural da Praça da Independência.

Marcos Fernando observou que há várias entidades públicas que precisam de restaurar o seu espólio, e eles têm estado a prestar o apoio necessário.

Já no que diz respeito à aquisição de obras para o museu que dirige, Marcos Fernando explicou que os problemas financeiros com que a sua instituição se debate não permitem o encaixe de novas obras.

Sobre parcerias, ele avançou que quando busca parceiros não encontra respostas satisfatórias, até porque, como disse, alguns nem sequer respondem às solicitações.

Conforme o número 8 da Resolução 11/2010, que aprova a Política de Museus, o financiamento deve ser feito através de doações orçamentais do Estado, do Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC), de indivíduos e colectividades, instrumentos de promoção cultural e pagamentos das visitas da loja.

Entretanto, o museu não tem recebido esses apoios. E Marcos Fernando encontra justificação para a crise diz que afectar a nação. “O país está em crise, não há dinheiro”, frisa.

O Estado, prosseguiu, definiu outras prioridades, por essa razão não canaliza a verba, definida por documentos discutidos e aprovados pelo Conselho de Ministros, que suportaria a aquisição de novas obras.

“Sabe-se que não é barato adquirir uma obra de arte”, lamentou.

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top