Os “Antibióticos” de Flash Enccy

FLASH Enccy define-se como um rapper das ruas, pois foi lá onde ganhou notoriedade, inspirou muitos e hoje, com mais de 20 anos de carreira, tem quatro álbuns com o colectivo Micro 2 e prepara o seu segundo trabalho discográfico, depois do primeiríssimo, intitulado “Lavagem Cerebral”.

O novo disco já tem nome, é intitulado “Antibióticos”. Usando o hip hop como arma, procura combater as infecções que danificam a sociedade. Ao mesmo tempo, aconselha os ouvintes da sua música a tomarem medicamento, pois eles são a cura para as doenças que danificam a carne. Mas antes de falar do álbum, vamos saber mais sobre este artista, que em 2014 revelou, nas redes sociais, que era seropositivo.

No dia 29, a última sexta-feira do mês de Junho de 1979, a família Amaral estava feliz, nascia mais um varão, que recebeu o nome de Andréssio Lucas. O rebento chorou com ritmo, mostrava que tem arte e que um dia poderia escrever poesia. E foi isso que aconteceu. O bebé cresceu escutando blues e jazz, influenciado pelo seu progenitor, que residiu por muito tempo nos Estados Unidos da América. Mas foi neste país longínquo que o miúdo escolheu o RAP (Ritmo, Arte e Poesia) para se expressar.

As suas primeiras letras foram em inglês, mas cedo percebeu que era possível escrever em português, como o Boss AC e o colectivo Black Company faziam. O garoto enterrou o seu nome de registo e passou a ser chamado por Flash, pois queria irradiar luz como as máquinas de fotografar. Adicionou Enciclopédia à sua alcunha, que mais tarde abreviou para Enccy, pois é amante de leitura. Devora livros e livros para conhecer o mundo e melhorar a sua gramática.

Nos anos 1990 teve uma das suas primeiras aparições públicas no programa radiofónico Hip Hop Time. As suas rimas incendiaram o estúdio da Rádio Cidade e deixaram o então apresentador Zito Dog Style, boquiaberto.

“Estava com gana de mostrar o que sei naquele freestyle”, recorda com nostalgia. Depois daquele dia recebeu mais convites, o seu nome cresceu e passou a ser tido como uma das promessas do Hip Hop moçambicano.

Inspirado nos rapper dos Estados Unidos da América, procurou lapidar um estilo próprio, pois “gosto de ser eu. Revolta-me a ideia de imitar quem quer que seja”, confessou.

Flash Enccy |Foto: Jaime Machel

Dois micros e quatro álbuns

Andréssio e Yuri (Legacy) frequentaram a Escola Secundária da Polana. Nesta instituição de ensino, além dos apontamentos, escreviam letras, trocavam versos com ritmo, arte e poesia. Inseparáveis, além do hip hop, partilhavam outras paixões e “vícios”.

Em palco, deixavam o público amante de hip hop aceso. A sua cumplicidade é única. Quando chegou a hora de formar um grupo, apelidaram Micro 2, em alusão aos microfones que cada um segura.

Em 2004, o colectivo contava com os préstimos de Ras TM, que desempenhava o papel de produtor e “manager” do grupo. Juntos, trabalharam para a concretização do primeiro álbum, intitulado “Andando a Pé”. No entanto, o disco só veio a sair um ano depois, em 2005, e foi a partir desse momento que o grupo começa a ganhar notoriedade no mercado global.

Ras TM separa-se do grupo e, em 2008, a dupla lança o seu segundo álbum, intitulado “Caneta e Papel” que foi sucesso total. Sobressaíram temas como “Pobreza absoluta”, que conta com a participação do músico Muzila; “Criminologia” e “Mãe África”, com a participação Tony Django, falecido vocalista e membro fundador do grupo Kapa Dêch.

Além destas faixas, o álbum era rico em participações, tendo a presença de nomes como Doppaz, que emprestou a sua voz no tema “Agradecer”; Ace Nells, que integrou o tema “Crianças do amanhã”; sem falar da participação do actual apresentador do hip hop time, Hélder Leonel (Face Oculta), e Mimãe no tema “Fotografias da Vida”.

O disco colocou a dupla num patamar popular, levando o grupo aos maiores eventos e festivais nacionais e internacionais.

Em 2012, o grupo vem brindar a sua legião de seguidores com o terceiro álbum “A Oficina do Conhecimento” donde se destacou, a nível internacional, a música e o vídeo “Mortal Kombat” com a participação de vários rappers.

Flash e Legacy ficaram em silêncio por seis anos e retornaram com o álbum “Planeta Terra”, sendo que a música que serviu como cartão-de-visita foi “Carta para Jesus Cristo”, que em duas semanas teve 30 mil downloads.

Nesta obra musical, os dois rappers investem, a nível do conteúdo, em mensagens de âmbito social, abordando diferentes temáticas relacionadas com o quotidiano das famílias moçambicanas. Constituído por 14 músicas, o trabalho discográfico explora cenários dramáticos, causados pela violência doméstica nos lares.

“Planeta Terra” é um projecto da linhagem “Underground”, dedicado a levar a verdade e o sentimento do povo aos demais. Concorrem, para o efeito as participações de Pitcho, Azagaia ou Spice nas músicas.

Este álbum, além de ter sido feito com dedicação, é um produto de amizade entre os membros do grupo Micro 2. Para Flash Enccy o disco mostra a evolução qualitativa em relação aos anteriores três álbuns.

O rapper iniciou a sua carreira na década 1990 |Foto: Jaime Machel

O amigo de MC Roger

Em 2008, Flash participou em três músicas do álbum “Moçambicanizando” de MC Roger. O rapper soltou versos nos temas “O Verão Chegou”, “Temos Valor” e “A Festa do VIP”, que também tem a colaboração de Mr. Arsen.

Passam-se mais de 10 anos e Flash refere que ainda mantém uma relação de fraternidade com MC Roger. “É uma pessoa focada, que luta pelo que quer. É um ser humano, um artista que consegue conquistar o que almeja”, refere.

Além de participar nas músicas, Flash colocou o seu dedo nas composições. “Trocávamos ideias e no fim a letra saía”, detalhou.

Na altura, o rapper fazia parte do colectivo Cotonete Record. Entre polémicas e desentendimentos, o nosso entrevistado diz ter-se afastado da Label, depois de ter participado da colectânea “Mais Hip Hop para o seu Ouvido”, na qual deixou a sua faixa “Episódios específicos de Loucura”.

Muitos na altura apontaram que Flash foi afastado do colectivo, pois a sua participação no álbum de MC Roger chocava com a filosofia defendida pela Cotonete Record. No entanto, Flash refere que quebrou o vínculo com a Label por questões contratuais. “Não existia clareza em termos contratuais e eu não trabalho em projectos sem clareza”, referiu.

Entre o esgoto e a luz

No ano 2014 saiu o primeiro álbum a solo do rapper Flash, intitulado “Lavagem Cerebral”. A expectativa que se criou em torno deste trabalho é também, de certa forma, resultado dos atribuídos exibidos pelo artista, principalmente, em finais da década 1990 e nos primórdios da passada, quando o seu sentido poético, no mais elevado nível de escrita, e o flow afiadíssimo criavam inveja a muitos candidatos a rappers.

“Mas contrariamente a isso, em ‘Lavagem Cerebral’ encontramos um Flash menos criativo e também menos ‘agressivo’, aspectos que nos últimos tempos têm sido a sua característica. Poder-se-ia dizer que não está em forma. Quem escutar o tema “Revolução” da época em que ele representava a Tumba Sound aperceber-se-á disso”, lê-se na crítica ao álbum, publicado no site “Mundo Suburbano”.

O portal refere que o lançamento desse álbum acaba revelando um certo desespero do próprio artista em ter um trabalho solo a qualquer custo, “como quem ficou anos sem ter um filho e acaba o procurando a qualquer custo por sentir a pressão da sociedade”, criticaram-no.

Outras vozes apontam que o rapper falhou na escolha dos beats do álbum, que estivarem ao cargo de também reconhecidos produtores, G-Short (principal), Master Fingez, All G, Ilusionista, Nick Slim, Billy Ray e Inflomatic (música de bónus).

No entanto, os fãs aguerridos de Flash indicam que o álbum foi bem conseguido e sintetiza a carreira do rapper. “Investi em instrumentais duras, meio do ‘esgoto’. Gosto de instrumentais deste género, meio obscuras”, indica.

“Bens materiais vêm e vão, mas as pessoas permanecem”, Flash Enccy |Foto: J. Machel

“É duro ser rapper em Moçambique”

Em mais de 20 anos de carreira, o rapper tem como conquista a vasta legião de seguidores. “Bens materiais vêm e vão, mas as pessoas permanecem. São muitas as almas que inspirei e ainda inspiro. Este é o meu maior tesouro”, indica o rapper, que pensa na sua internacionalização, pois percebeu que o mercado nacional não está à altura de reconhecer a sua dedicação.

Para Flash Enccy a “saúde” da música no país está boa ao nível de quantidade, porque já existe muito produto. Todavia, entende que há questões a revelarem que Moçambique ainda se encontra numa fase muito embrionária no que diz respeito, por exemplo, à protecção dos direitos do autor.

“Nós entendemos que os artistas não devem viver apenas de espectáculos ou da venda dos seus artigos. Há questões que devem ser acauteladas de modo que, ao fim de seis meses ou um ano, possamos tirar proveito financeiro da nossa obra. Ainda assim, acredito que vamos evoluir dentro de anos, porque temos muitos talentos e estamos todos sempre a aprender”, comenta.

Para Flash, se estivesse noutro país, estaria noutro patamar, em termos financeiros e de reconhecimento.

|Foto: J. Machel

“Sou seropositivo”: a grande revelação

Em 2014, Flash publicou na sua página oficial na rede social Facebook que está infectado pelo HIV/Sida.

“Bom dia a todos. Hoje venho com uma notícia muito triste, nem consegui dormir. Ontem fui à Clínica do Hanhane, aqui na Matola, e os médicos descobriram que tenho HIV/Sida. Sou doente, fiz exames porque já não me sentia bem de saúde há um bom tempo e, por sinal, estou entre a vida e a morte. Estou com a minha cabeça a girar de pensar, preciso de fazer o tratamento urgente para poder viver mais tempo. O vírus já actua em mim. De momento não tenho nenhuma condição económica para sustentar a doença. Acreditem nenhuma mesmo. Tenho rezado muito para Deus através da Bíblia”, dizia no post.

https://pt-br.facebook.com/flash.enccy

Passados cinco anos, o rapper, que já é activista social, avaliou positivamente os cinco anos em que está envolvido com o TARV (Tratamento Anti-rotroviral), através da sua página do Facebook, plataforma na qual o artista não poupa esforços para consciencializar a sociedade relativamente ao vírus do HIV.

“Estou no quinto ano em tratamento anti-retroviral e com a saúde em ordem. Realmente o comprimido faz bem à saúde e nunca irei abandoná-lo. A vida esteve e continua a estar em primeiro lugar!”, revelou chamando a atenção para que as pessoas “tratem-se enquanto ainda é cedo!”.

Inspirado na sua vida, intitulou o seu álbum “Antibióticos”. “O disco é totalmente underground. Obscuro. Resulta dos exames serológicos e biológicos que consideram a existência de toda a Humanidade”, disse.

Para Flash, o planeta necessita de antibióticos na ordem racional da sobrevivência humana. Assim, mediante a permissão dos antibióticos, os medicamentos trarão benefícios saudáveis à nova geração, tanto na formação profissional sobre princípios louváveis.

“O álbum ‘Antibióticos’ promove os serviços urgentes no sistema humano pelo fundamento terapêutico, aconselhamento farmacêutico e assistência sonoranitrazol, investigação e estudos científicos em laboratórios poéticos da relação existente entre a terra, & o sol em torno da humanidade”, refere.

O disco terá 16 faixas e todas elas serão feitas exclusivamente pelo Flash Enccy, sem participações locais.

Como habilitações literárias possui o nível superior em Inglês. Mas fez ainda alguns cursos adicionais como hotelaria, culinária, recepção e arrumação de quartos, contabilidade e gestão, administração e gestão de empresas e informática.

No mundo da música prefere o “rap de intervenção social”, mas aprecia ainda os estilos blues, jazz, rock alternativo, house e reggae. Flash Enccy ganhou notoriedade em programas radiofónicos, como o lendário “Hip Hop Time”.

Influenciado por livros de Filosofia, Sociologia, Direito, literatura clássica e mais, assim como pela vida dura dos bairros africanos, nos seus temas retrata os dramas da sociedade. O seu pensamento baseia-se na igualdade completa dos direitos de todos países no mundo. Flash dá cobertura a liberdade de expressão, a luta pela paz e justiça nos bairros, uma universidade de pensamentos revolucionários emitidos através da intervenção social.

Preserva sempre o espírito de escrever as suas próprias letras e salienta que, “farei rap até ao fim dos seus dias”, indica. Refira-se que Flash, nos tempos livres, gosta de ler livros, assistir filmes, ler jornais e sempre procura alguma coisa que possa ocupar o cérebro com base na leitura.

O Álbum “Antibióticos” já está na forja

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