Metamorfose

Por Elton Pila
Tímidos raios de sol, transpondo grossas nuvens negras que auguram tempestade, anunciam a aurora. As ruas voltam a sentir o peso da existência humana, depois do silêncio da madrugada. Indivíduos, à passos largos, buscam garantir o lugar à sombra da vida.
 
Entretanto, destaca-se, meio ao turbilhão da rua, um homem de caminhar quase mudo, alheio a pressa do mundo. Ora, troca os passos. Ora, pára. Ora, treme. Transpira. Invisível aos outros viandantes. Tomba, volvidos alguns passos titubeantes.
 
– O que se passa? – Perguntam-no as pessoas que o acudiram, enquanto o levantam.
 
Tenta falar, balbucia. Da boca, menos palavras, mais saliva. Os olhos avermelham-se. Transpira. Treme.
 
– Não se massem. É um bêbado! – Alguém grita, no meio da roda que se formou em volta do homem.
 
Tenta reagir. Tarde demais. Volta ao chão. As pernas, enfraquecidas, tremem, ainda mais. Os olhares pesarosos em sua direcção humedecem-se-lhe a face e as calças. Lágrimas e urina filhas da mesma mãe: vergonha.
 
– Embebedou-se até não poder mais! – Ouve alguém gritar.
 
Um estrondo anuncia a tempestade. As nuvens negras deixam-se cair. Primeiro, em gotas miúdas. Depois, de forma tempestuosa. As pessoas dispersam-se.
 
E antes de o sol irromper, o homem, agora de cócoras, à mercê da tempestade, minora-se, escama-se, encarapaça-se. Em pouco tempo, há-de sorrir para as nuvens que se desfazem em caudalosos mares.
 

eLTON pILA2

Sonha em mudar o mundo. Acredita no jornalismo e na literatura como agentes desta mudança. Colabora em alguns jornais, revistas e festivais de literatura. Actualmente, é redactor da Revista Literatas e tem a coluna semanal Como Sopra o Vento

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