Futuro

Por Elton Pila

A noite cai. Inevitavelmente, penso no amanhã. Não o amanhã que o sol anuncia a cada alvorada. Mas o amanhã distante, futuro. Aquele tempo no qual ancoramos todas as nossas expectativas. A esperança em dias melhores que nos faz atravessar quase incólumes as amarguras diárias. Ocorre-me: o presente só é suportável, porque o futuro é um tempo desconhecido.

É no enigma que reside o encanto. Encanto este que uma mulher, vendedeira de amanhãs, me propusera experimentar, noutro dia. Parou-me ao meio da rua. A princípio, pensei tratar-se duma pedinte. Impaciente, esperava ouvir-lhe o pedido.

Depois dalguns balbucios, disse-se vidente. Prometia-me dizer o que o futuro me reserva partindo dos traços da palma da minha mão, em troca de uma pequena quantia em dinheiro. Deneguei a oferta. Menos pelo dinheiro, mais pela angústia que seria viver a espera de uma alegria ou tristeza anunciada.  Mais, ainda, por não querer conspurcar meus sonhos, minhas esperanças.

Então vi-a afastar-se, ganhar distância. Eu imóvel, estarrecido pela proposta. A quantas mais pessoas ela teria se vendido como senhora do destino? Teria vendido esta proposta indecente: abrir a janela do presente e com o olhar penetrar o futuro?

Pouco depois, a Mulher conversava com um casal que se encontrava à alguns metros. Vejo os lábios abrirem e fecharem. As palavras são inaudíveis. Mas, certamente, está a propô-los o que há pouco propunha a mim, um olhar para o futuro.

Vi a moça sorrir, interessada. O moço relutante, impaciente. Mas, logo, vi-os, a moça e o moço, mostrarem às palmas, a Mulher passar os dedos pelos traços das mãos dos dois, seu rosto concentrado e o casal expectante, ensaiando tímidos sorrisos. Quando os lábios da Mulher voltaram a mover-se, o casal ganhou um semblante assombrado. O que teria a vendedeira de amanhãs visto? Que futuro teria vaticinado?

 

eLTON pILA2

Sonha em mudar o mundo. Acredita no jornalismo e na literatura como agentes desta mudança. Colabora em alguns jornais, revistas e festivais de literatura. Actualmente, é redactor da Revista Literatas e tem a coluna semanal Como Sopra o Vento
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