O novo governo de Moçambique desfez, a nível ministerial, a anterior fusão entre a Cultura e o Turismo. Actualmente, a Cultura está integrada no Ministério da Educação e Cultura — mudança esta que suscita alguns questionamentos.
Sendo que, no meu trabalho quotidiano, a área que me afecta é a cultural, será nela que irei ater-me, deixando de lado o Turismo, que será apenas chamado quando necessário.
É um lugar-comum que o moderno Estado de Moçambique nasceu de artistas que se bateram pela construção de um país novo, de moçambicanos, em contraponto ao colonialismo. É deste naipe que fazem parte nomes como José Craveirinha, Noémia de Sousa e Luís Bernardo Honwana, entre os mais sonantes.
A compreensão do seu valor mereceu a atenção devida da Primeira República (1975-1990), que foi a nossa tentativa de instalação do socialismo. Fase esta que Lucas Bussotti, num longo artigo sobre políticas culturais moçambicanas, designou como Consolidação da identidade e preservação do património.
Seguiram-se, já na Segunda República, ainda obediente à classificação de Bussotti, a Regulação económica do sector cultural (1990-1997) e a Produção e difusão do sector cultural (1997-2009). Em 1997, neste contexto, o governo aprovou a Resolução n.º 12/1997, de 10 de Junho, do Conselho de Ministros, que introduziu, em Moçambique, o conceito de Indústrias Culturais.
Antes de explorar essa novidade na nossa legislação, é importante contextualizar o conceito de políticas culturais a partir da perspectiva da UNESCO.
Neste sentido, entende-se como o conjunto de princípios operacionais, práticas administrativas e orçamentais e os procedimentos que fornecem uma base para a acção cultural do Estado.
A Resolução de 97 definia as Indústrias Culturais como compreendendo espectáculos culturais e recreativos, cinema e audiovisuais, estúdios de gravação musical e o fabrico de instrumentos musicais.
Para dar uma visão internacional do debate, é necessário recordar que, desde finais da década de 40, se discute, sob o ponto de vista intelectual e académico, conceitos como Indústrias da Cultura, Indústrias Culturais ou Indústrias Criativas, entre outros. A primeira aparição deu-se sob a pena de Adorno e Horkheimer, que não eram simpáticos à lógica económica que se pretendia atribuir aos produtos culturais.
Já nos anos 90, a Austrália e o Reino Unido, percebendo o seu potencial de geração de emprego e de renda, introduziram este sector nas políticas públicas, com essa perspectiva económica. O governo de Tony Blair criou o Departamento de Cultura, Media e Desporto (Department of Culture, Media and Sport — DCMS).
A nível do continente, temos exemplos dignos dessa aposta e compreensão. São os casos de Nollywood — a segunda maior indústria cinematográfica do mundo em termos de volume de produção — na Nigéria, incentivada pelo governo através da criação da Nigerian Film Corporation (NFC) e da isenção de impostos para equipamentos de produção cinematográfica. Na África do Sul, o Department of Arts and Culture foi criado pelo governo para estimular a produção e exportação da sua música.
Com efeito, tanto Nollywood quanto a indústria musical sul-africana geram milhares de empregos, entre fixos e sazonais, provando o potencial das Indústrias Culturais e Criativas.
Entretanto, esse sucesso, como ilustram os exemplos acima, depende de políticas públicas — políticas culturais. Ou seja, a função social da criatividade não é alcançada por indivíduos em actos criativos isolados, mas quando há lugares onde o acesso, o capital, as infra-estruturas, a legislação, os mercados, o copyright, as marcas, o design de produto e os processos inovadores conseguem transformar a criatividade em valor económico e social.
Neste contexto, é compreensível que a lógica da fusão entre a Cultura e o Turismo, do consulado cessante, talvez resultasse da compreensão da potencialidade de ambos na geração de emprego e de renda. Ainda mais numa realidade como a moçambicana, onde escasseia o emprego e a faixa etária média da população é de 17 a 18 anos, com uma grande proporção de jovens abaixo dos 30 anos — com o agravante de uma potencial explosão demográfica nos próximos 10 a 20 anos.
Desta fusão com a Educação, anunciada pelo novo governo, surge o receio de que a lógica da Cultura enquanto negócio corra o risco de ficar de lado. Ou não — dependendo de quem irá responder pela pasta e da visão macro que o governo possui em relação ao sector.