Boémia laurentina

00h30min

Altas horas. Bom, isto é relactivo. Sem precisar com exactidão, são por volta de meia noite e dois quartos. Percorre a pé a 24 de Julho, em direcção ao Museu. Vaguea, com o fumo a sair-lhe pela boca, pensando nuns goles generosos de uma geladinha no Piri Piri ou Fofoca. Engole copos de vontade.

Ouvindo o sussurar das poucas árvores do centro de Maputo, optara pela avenida Emília Dausse, muito por acaso, enquanto mija numa das poucas árvores do centro de Maputo, repara para a parede, que um dos postes ilumina, onde lê:

No poema África, José Craveirinha lamentava esta cegueira colectiva. Naquele Xigubo dele de palavras dialoga hoje com Achille Mbembe e concordam que o continente ainda não aprendeu a ver a luz do dia.

A luz não chega à assinatura. E sacar o mobile com o risco de ser rambado, não é boa ideia. Ainda é noite, de facto. Alguma lucidez parece insistir. Não aprendeu senão a dor dos mendigos que nem sabem murmurar quando ouvem passar a velocidade tal, um destes tais, numa Rolls-Roys. Craveirinha já via isto, sorri de soslaio. Isto também incomodava ao poeta.

Mete a mão no bolso enquanto caminha, já pela Ahmed Sékou Touré, quer rever os trocos para calcular o prejuízo de mais um prazer com culpa daqueles copos de Manica no Alto Maé com a malta numa conversa sobre nada.

Adia a contagem para atravessar a Av. Eduardo Mondlane. Um Ractis vuna assim que o semáforo abre. Zás. Um Mahindra vermelho dupla cabine. Zás. Outro Mahindra, branco. Zás. Haaa, o Coster parece querer cumprir a promessa do metro de encurtar o tempo das viagens. Zás, deu gás. Uma Vanguard preta, um Kia azul. Foram passando.

Repousa o entusiasmo da culpa. Para traz ficou o Ministério da Saúde. Recorda da matéria que leu algures na net sobre as gêmeas Mandy e Lara Sirdah, engaioladas na Faixa de Gaza, que dão vida ao tempo, fotografando pássaros, alguns sazonais porque em trânsito. A missão dessas meninas não é ovo de Colombo onde as balas, mísseis e tudo que se lê na descrição de guerras, são os instrumentos da música repetida em qualquer passo fora da coreografia.

Para Craveirinha, que com Rangel registou a outrora sonhada Delagoa Bay Wall Street, os Rolls-Roys por aqui são pornográficos. A poucos passos de casa, retoma a missão de contar os trocos. Prejuízos para amanhã, parece ser o pensamento que dita a sua hesitação.

Nos fundos do prédio. Entra em casa. Fecha a porta. Espreita e vê como está a irmã mais nova. Como noutras noites é possuído pela vontade de espreitar naquela sordina que só a noite permite, o riso que a ouve libertar quando sonha.

01h29min.

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