Khanyi Adesina (Xolile Tshabalala) é detida ao entrar no escritório, acusada do assassinato de Bhekisizwe Ndlovu, seu pai, em Durban. É nesta reviravolta que terminam os 20 episódios da primeira temporada da série Blood Legacy.
Esta produção sul-africana, mais uma no catálogo da Netflix, desenrola-se em torno de uma família magnata sul-africana, proprietária de uma firma, a Spears, que possui canaviais e hotéis.
Como é batida esta fórmula, por trás da fortuna há uma rede de crimes que envolve corrupção e assassinatos. Deste roteiro, a galeria tem títulos — fora da Netflix, Power e, no interior, Greenleaf ou Fatal Seduction — só para apontar alguns exemplos.
Embora seja um remake da série mexicana Monarca, na qual a pedra angular é uma família proprietária de uma fábrica de tequila, é interessante como o título coincide com o de um livro escocês, Blood Legacy, de Alex Renton, publicado em 1839.
A coincidência (!?) é simbólica, por se tratar de um texto literário que denuncia a cumplicidade da monarquia inglesa com o tráfico escravocrata. Até 1910, a África do Sul foi colónia britânica.
Nesta produção de Bradley Joshua, Benjamin Overmeyer, Nosipho Dumisa-Ngoasheng, Daryne Joshua, Travis Taute e Simon Beesley, vemos a denúncia — por vezes panfletária — da diferença entre imagem pública e verdade, homofobia, adultério e ganância.
Os cabeças da família são Bhekisizwe (Treasure Nkosi) e sua esposa, Madlamini Ndlovu (Connie Chiume). Os seus rebentos são Mandla (Buyile Madladla), Khanyi e Siya (Mike Ndlangamandla).
Após a morte inesperada do patriarca, assassinado na sua propriedade, disputa-se o cargo de CEO, missão que, em testamento, ele deixou à esposa. Mandla é o maior interessado e o sucessor natural, sendo o filho mais velho.
Pouco antes da sua morte, contudo, Bhekisizwe convidou a filha para a posição. Khanyi é casada com Akin Adesina (Anthony Oseyemi) e, enquanto a sua filha Amahle (Dineo Rasedile) vive com eles em Cape Town, onde é jornalista, outro filho de Khanyi mora com os avós.
Mandla, inescrupuloso, manipula a filha Thuli (Nandipa Khubone), que nunca superou a morte da mãe. Ele é desavindo com o outro filho, Zakhel (Pallance Dladla), devido ao seu provável envolvimento na morte da esposa.
Siya é casado com Gabisile (Enhle Mbali Mlotshwa), e eles têm um filho chamado Nido (Thabiso Ramotshela). O que o torna relevante é o facto de ser gay — algo que não pode assumir publicamente para salvaguardar a reputação dos Ndlovu.
Nos episódios 9 e 10, há um caso de agressão a uma adolescente. É o Nido quem é filmado, acidentalmente, pela prima Amahle a agredir uma jovem dopada — outro momento-chave deste personagem.
De resto, a disputa é entre Khanyi e Mandla — uma, instruída, com MBA; o outro, astuto, violento e disposto a tudo para ocupar a posição de CEO.
A série soma uns 400 minutos de indefinição, trilhando um caminho abarrotado de lugares-comuns despropositados. Há, no entanto, destaques ocasionais de certos assuntos relevantes, entrelaçados com comentários substanciais.
Para um drama televisivo, é questionável a falta de clareza ao guiar o espectador sobre a pedra de toque da narrativa: será a busca pelo assassino de Bhekisizwe ou a disputa pela liderança da Spears?
Três aspectos técnicos merecem realce positivo em Blood Legacy: a começar pela iluminação, que gera alguma consistência e coesão com a estética da série.
A direcção de arte, igualmente, foi capaz de construir um mundo visual em sintonia com a história, o tema e o tom. A opulência e o estatuto social dos envolvidos eram transmitidos pela imagem, sem que os personagens — cujo figurino foi igualmente assertivo — precisassem expressá-lo verbalmente.
Em consequência do design de produção bem executado, o trabalho de fotografia foi capaz de criar uma composição visual que explorou uma paleta de cores que realçou o ambiente corporativo e campestre onde a história se desenrola.