Ainda me recordo como se fosse hoje

Banho frio, o chuveiro gotejava sem motivação, a água tocava o meu corpo por obrigação, o divórcio era inevitável. A toalha enxugou o meu corpo e recordei da tua capacidade de resolver os problemas e sorri. Atravessei os becos do bairro, esquivei a ferrugem das chapas, inalei passivo o fumo, o mau cheiro das casas, o vapor do primeiro gole de bebida seca do gai-gai do Estrela, observei os sacos das mercadorias a entrarem, vi o mercado informal a ficar distante e o chapa com faixa azul a gritar Baixa, Correio. A Eduardo Mondlane estava agitada, depois de aguardar com calma consegui atravessar, reparei que os estudantes estavam com pressa e eu lento, com vontade de voltar para casa e receber a informação da alta. Olhei o Jardim da Liberdade, percebi que eles ainda recordam da RDA com nostalgia e protestam o presente que nos foi ofertado. Atravessei a 24 de Julho, arrastei o meu corpo, que estava longe, distante, recordei da tarde de quinta-feira, quando senti o mundo em câmara lenta e a única imagem em movimento normal era um pássaro, cinzento. Entrei na escola, nem reparei os músicos e actores que ensaiavam, os corredores estavam abarrotados, mas meus olhos não conseguiam contemplar nenhuma viva alma. Sentei na carteira, fechei os olhos, passei a madrugada em claro, rezei, supliquei com fé, para te ter por mais tempo. Minha colega beliscou-me, eu disse que estava acordado. No intervalo, fui a sala de informática, sentei numa mesa sem computador, revive a noite de quarta-feira e rezei para receber boas notícias. Mano Senito ligou-me, pediu para que voltasse a casa, por distracção, atendi a chamada em viva voz. Minha preocupação gritou, em viva voz. Descrevi o mesmo trajecto, não reparei para a rua, para o caminho rezei, supliquei, quando passava pela casa do Craveirinha, perdi a fé e imaginei o pior, vi as condolências, as mensagens, quando entrei na Mafalala, senti-me Moisés, caminhando solitário no mar vermelho, todos me olhavam e lamentavam. Rezei, mas ao abrir a porta percebi que o pior aconteceu, recebi a notícia, entrei no quarto, coloquei o meu corpo em repouso e vi o meu mundo desmoronar, perdi a fé, o norte e procurei lágrimas e não encontrei. E até hoje ainda procuro. Hoje celebramos o nono ano após a sua partida, mas sei que ainda estás aqui, presente, por isso já não procuro lágrimas, encontrei em seus ensinamentos o norte, que me conduz a luz. Ainda venho a teu encontro mãe e neste dia vou regar o nosso caminho com lágrimas, que deixarão o jardim das conquistas que me sonhaste ver a conquistar e juntos vamos caminhar, devagar, sem olhar para trás.

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