Zecas só ia encher o saco

Ressuscitaram dezenas de pessoas. Confessaram os seus pecados e asseguram que, ainda que invisíveis, no jardim da minha vida, são os meus melhores adeptos. Ergueram-se, também, outros homens e mulheres, para cuspir alegria, coragem, esperança e desejos, tal como Samora fez quando, aos 25 de Junho, declarou independência do país, no Estádio da Machava. 

Não ficou de fora quem mandou passear os critérios exigidos por Ildo Ferreira sobre “cantar bem”. Com suas vozes desafinadas, adaptaram o “Parabéns” ao seu timbre e endereçaram-no para mim. Foi assim ontem, dia em que colhi as ditas flores no Jardim da Vida.

Os aniversários têm dessas, passam-se rápidos. Ontem vinte e quatro horas transformaram-se em segundos. Hoje as coisas voltaram ao normal: sem holofotes para mim. Reflito sobre o meu percurso de vida, quando me pego hipnotizada a observar, fixamente, o pequeno quadro pintado à cores vivas, que embeleza o meu quarto. Adquiri-o na última exposição que visitei, numa dessas casas de cultura da Cidade de Maputo.

Aprecio as técnicas usadas pela artista e rendo-me ao seu talento. Apesar de ter sido tudo a lápis, há quem ainda entra no meu quarto, vê e confunde o desenho com fotografia. É uma alegria saber que segue uma geração criativa de artistas plásticos, depois de lendas – que nunca morrem- como Malangatana, apesar de, agora, existirem uns infelizes, camuflados em espertos, a tentarem assiná-lo, falsificando as suas obras.

Enquanto observo esta obra de arte, ponho-me a rir, quando me vem em mente o cenário que se viveu na inauguração da exposição desta artista. As exposições, sobretudo, nos Centros Culturais renomados do país, são sempre acompanhadas de conversas agradáveis, troca de contactos ao sabor de aperitivos e música ambiente. 

Quem é de frequentar os eventos culturais, aberturas de Festivais e, principalmente, inaugurações de exposições, já deve conhecer o Zecas. Não é artista. É, simplesmente, um académico que diz gostar de artes e cultura e, por isso, é normal esbarrar com ele em espaços do género.

Lembro-me de ter acompanhado os passos de Zecas, naquele dia. Já havia ouvido muito sobre ele. Para os eventos, organiza-se, não como qualquer outra pessoa. Ora esquece a combinação moderna das roupas, ora esquece de passar um creme na sua pele para cobrir a palidez, mas nunca, nunca o Zecas se esqueceu de levar a sua enorme pasta de costas cinzenta com detalhes pretos.

Quando questionei, num desses dias, no 16 Neto – um espaço cheio de energias jovens – disse estar metido em docência, mas pelos seus ares, descartei as suas palavras e, tal como ele, fingi demência.

Naquela noite da inauguração da exposição desta artista em ascensão, escolhi o melhor ângulo, posicionei-me para fazer o zoom in e o zoom out nos movimentos de Zecas. Sua altura já o destacava entre tantos apreciadores das artes que vibravam naquele lugar. 

“Frequentar exposições parece ser uma boa terapia”, foi o que conclui enquanto observa os gestos dos presentes. Além de contemplar o trabalho exibido, vi reencontros entre artistas, apreciadores das artes, directores, amigos, que resultaram em apertos de mãos, sorrisos, abraços e beijinhos. 

Observava tudo daquele ângulo. Entre uns tantos, houve conversas e criação de laços e contactos, enquanto seguravam, levemente, na taça de vinho, caipirinha e sumo, conforme as preferências de cada um. 

Um cocktail à altura. Outros, ainda, degustavam dos aperitivos – salgados, doces – com elegância, enquanto passeavam seus olhos pelas telas. Esta linhagem foi, também, adoptada por Zecas, embora tenha sido por pouquíssimos minutos. 

Na distracção de muitos, testemunhei o Zecas a encher a sua pasta. Foi tudo muito rápido: olhou ao redor, passou a pasta para frente, meteu alguns objectos que pela distância não consegui visualizar. Fechou a pasta, pegou numa garrafa de água e olhou serenamente o ambiente, como quem está apreciar o evento. Inspirada na verticalidade de Samora, levantei o meu dedo, apontei o académico, que sem argumentos teve que abrir a pasta, que eu poderia jurar que tinha algumas das obras da proeminente artista plástica. Quando se desvendou o que estava na pasta, vi a plateia a rir em sintonia, afinada, como bons alunos de Ildo Ferreira. Eu embaraçada, vendo os salgados e doces que saiam da pasta, disse para mim mesma que viveria bem sem ter, finalmente, desvendado o mistério do Zecas.

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