O paradoxo da moralidade no jornalista moçambicano

O papel do jornalismo nos sistemas sociais possui uma componente moral. Filosoficamente, diríamos, o exercício de apontar ou denunciar condutas ilegais ou imorais no meio social em que vivemos exige, em si, o pressuposto da existência de uma conduta moralmente correcta: o que Platão e os gregos chamaram de “o Protótipo de Cidadão”. 

Paralelamente, o mesmo imperativo é exigido a quem denuncia estas condutas desviantes: o jornalista. Conceitos como integridade e honestidade devem, teoricamente, orientar a imagem destes “missionários”, tendo em conta que o fundamento do chamado quarto poder no sistema democrático é de fiscalização dos outros poderes, nomeadamente os poderes executivo, judiciário e legislativo.

Os jornalistas são membros da própria sociedade e, consequentemente, o tipo de jornalismo feito num sistema social vai ser o reflexo desta mesma sociedade.  Os valores basilares que compõem o quadro deontológico deste mesmo jornalista não são resultado das bibliografias, por vezes suspeitas, usadas nas nossas instituições de ensino de comunicação. Os valores morais que serão teoricamente a base da actuação responsável de um jornalista são aprendidos nas famílias ou na comunidade: a integridade, honestidade e, principalmente, o compromisso com a ideia do que é “correcto”.

Pelos pressupostos, parece-me aceitável afirmar que a grave crise que o jornalismo moçambicano atravessa é simplesmente o resultado de uma crise social à escala nacional. Por um lado, parece-me razoável admitir que os sistemas também têm interesse de fragilizar a profissão, em qualquer lado do mundo. 

Entretanto, as vicissitudes sociais, a cultura individualista e o modelo oportunista que se enraizou na nossa juventude são responsáveis pela morte do perfil “Cardosiano” que um dia marcou o jornalismo moçambicano.

Além do já conhecido jornalismo de militância partidária, com casos por nós conhecidos de profissionais na folha de pagamento de dirigentes de partidos políticos, a nova geração de jornalistas faz parte da burguesia: a pseudo classe-média que para manter o nível de vida aparentemente estável tem de ver outras alternativas, na medida em que os órgãos de informação continuam a pagar migalhas.

A maior parte dos jovens que tropeçam no jornalismo hoje é iludida pelos belos rapazes e raparigas que dominam as nossas televisões na hora dos noticiários, vendendo uma imagem séria e estável, embora enfrentem directamente o paradoxo de quem frequenta luxuosos hotéis quando trabalha, mas não consegue erguer as bases da sua casa no terreno que comprou em duas prestações, há anos, nos confins de Santa Isabel.

Com menos de dois anos de “carreira”, muitas vezes num órgão de informação de seriedade duvidosa, uns usam a profissão como trampolim para encontrar posições profissionais melhores: a assessoria de imprensa numa entidade estrangeira, por exemplo, é a galinha dos ovos do ouro.

Normalmente, são os jornalistas aparentemente mais destacados que acabam sendo abocanhados pelos gabinetes destas ONG ou entidade estrangeiras, embora, em muitos casos, sem qualquer experiência e, consequentemente, pouca competência. 

O resultado disto é que o jornalismo do dia-a-dia no terreno passou a ser feito por estagiários, iludidos jovens recém-formados que procuram espaços nas nossas redacções e que representam menos custos para os donos dos órgãos de comunicação: empresários, quase todos com ligações ao partido no poder.

A consequência mais sombria deste cenário recai sobre a sociedade, obrigada a viver numa “suposta” democracia com um quarto poder esquartejado. Um jornalismo medíocre e populista, que entretém a nossa sociedade com os insólitos casos de polícia nos bairros ou polémicas de relacionamentos de celebridades fúteis, enquanto multinacionais fazem biliões de dólares explorando recursos nossos um pouco por todo lado, com a conivência dos políticos que têm espaço de antena vitalício nas nossas televisões.

O jornalismo investigativo em Moçambique está hoje a cargo de organizações não-governamentais, muitas delas compostas por antigos repórteres, que abandonaram os órgãos de informação formais porque depois dos 30 anos já não se pode sobreviver com um salário de 20 mil meticais em Maputo.

A imprensa moçambicana está maniatada, sobrevivendo dos magros salários pagos pelos donos dos órgãos e das ajudas de custo normalmente “dadas” pelo Governo ou por instituições privadas para publicitar o ilusório impacto dos seus projectos no meio rural.  

Por mais talento em bruto que possa existir na classe, o contexto em que vivemos torna o exercício da liberdade de imprensa, no seu verdadeiro sentido, impossível, na medida em que as limitações básicas e financeiras que o jornalista moçambicano enfrenta são, em si, motivos para uma autocensura.

Fim   

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top