Cantar, em Gondola, pela Paz e Reconciliação

Com o Campo do Ferroviário de Gondola quase a transbordar, por conta do mar de gente que inundou o local para ver, ouvir e mergulhar na diversidade musical que chegava a superfície de uma única vez, artistas subiram ao palco do RoadShow pela Paz e Reconciliação.

Maioritariamente rappers, se comunicaram com o público assumindo a missão de criar uma corrente com o objectivo de dissipar as cicatrizes de feridas do passado sangrento do conflito armado que antecedeu ao processo de DDR.

Antes mesmo do dia do espectáculo, já se previa tamanha enchente. As dimensões do palco (pouco comuns para o contexto) que ia sendo montando e os cartazes colados ao redor do perímetro eram como anzois a pescar minutos de atenção de quem passava.

Crianças, jovens e adultos, em contacto com os materiais, permaneciam instantes com os dedos em riste, a apontar para os rostos e os nomes estampados, reagindo, com excitação, às propostas apresentadas. 

Além disso, os graffitis feitos na parede em torno do Campo, na senda do Workshop com artistas locais, a par do Seminário voltado ao Hip Hop, actividades inseridas no RoadShow pela Paz e Reconciliação, faziam-se passar por uma espécie de cantos da sereia para o que depois se tornaria numa grande festa.

O espectáculo resulta da colaboração entre a Associação IVERCA e o CISP, o RoadShow pela Paz e Reconciliação se insere no Projecto ProPaz: Cultura para a Promoção da Paz, Reconciliação e Coesão Social.

O palco estava cercado por tendas e barracas que, durante o dia, serviram de stands para a Feira de Gastronomia onde era possível provar, entre tantas iguarias, o suave mucate. Servido nas folhas de bananeira, o doce mistura a banana, a farinha de milho e o açúcar, formando uma combinação agradável ao paladar e, ao mesmo tempo, energética e sugestiva a ambientes festivos.

Também era possível beneficiar-se de serviços de emissão de Bilhetes de Identidade e NUIT’s, além do rastreio do estado de saúde, pois também decorria uma Feira de Saúde e do Cidadão.

ESPECTÁCULO

É Sábado, 09 de Setembro. O sol despertou cedo, em Gondola, a aquecer os ânimos da equipa de produção que corria para acertar os últimos detalhes do concerto que com minúcia foi preparado, ao longo dos últimos meses.

Logo pela manhã, durante a Conferência de Imprensa relativa ao evento, já dava para sentir o feeling dos artistas e jornalistas em relação ao evento, mas também relativamente ao conceito com ele difundido.

Pymenta, membro da Banda Projecto África, que tinha chegado de Maputo no dia anterior, rematou, com ímpeto, na ocasião: “mais logo vamos fazer a festa”. Já com a bola na sua área, o Rapper Ray Breyka, membro do Coletivo da Vila Perygoza, acrescentou que “preparei os meus sons de sucesso, mas tive a atenção de escolher, sobretudo, aqueles que trazem consigo esta questão da Paz”.

Por sua vez, Kloro, que viria a actuar na companhia da sua banda (Os Suspeitos de Costume), apontou que o momento era ideal para a sua “Intervenção Pessoal”, lema que tem defendido sobretudo com o “Revolução Cultural”, seu segundo álbum.

“A Intervenção Pessoal é também uma busca pela Paz, que começa dentro de si e sendo transmitida para os outros”, disse o rapper, cuja carreira ascende integrado no agrupamento Trio Fam.    

Para abrir o espéctaculo, G-Zus fez-se ao palco. O apper, também membro da Vila Perygoza, segue uma linhagem de intervenção social, mesclada ao estilo street art, baseada em relatos e experiências quotidianas. As líricas num flow próximo ao underground deram arranque, com vigor, ao momento ainda guardava surpresas.

Seguiram-se Irmão Marcos, Delfina Souza, Lurdes e outros artistas locais que fazem a cena musical de Gondola, Manica e zona centro.

O Grupo de Mulheres Multiplicadoras da LeMuSiCa, formado por senhoras que, de alguma forma, têm um passado entrelaçado com as sombras da guerra, fez a sua primeiríssima actuação em palco. Cantam e dançam o “Mafui”, ritmo identitário de Tete, estendendo-se por toda a região central do país.

Os passos combinados, acompanhados por assobios e batidas em galões de plástico, o ritmo é de festa e serve de bálsamo para curar dores e injúrias do passado.

Ao cair da noite, mais um rapper entrou em cena. Era a vez do YGREGO soltar os seus versos profundos, introspectivos e motivadores elaborados para descrever a jornada tortuosa, exaustiva e prestigiante que marca a solidificação de um percurso de 10 anos de Rap.

Por sua vez, Ray Breyka fez vibrar o público que a sua construção criativa de rimas que tem colocado Chimoio no Mapa do Hip Hop nacional. Tido com um dos grandes nomes da Vila Perygoza, este artista versátil permite-se influenciar por outros estilos, o que resulta num quase sem rótulo.

Iveth foi a proposta a segue. Os longos anos de estrada no Rap e de activismo social, Iveth convidou o público a dar uma volta pelo seu trajecto, através do “Dia Lindo”, “4 Estações” e outras faixas que corporizam “O Convite”, seu álbum.

A noite já se tinha acomodado e continuava a chegar mais gente. Enquanto isso, a voz da Iveth era ouvida a envolver o público em gritos de exaltação de Gondola e seus potenciais.

Anunciado pela bateria de sua banda, Kloro fez-se ao palco aos saltos, na companhia de Walter Nascimento aka Teknik, na segunda voz. A actuação trouxe à memória “J’yeah, J’yeah”, dos tempos dos Trio Fam, grupo que foi febre no início dos anos 2000.

Com os ânimos em alta, serviu “Manda Vir”, buscado da “Revolução Cultural”, de onde também retirou “Sintoniza”, antes de apresentar a “Música da Sociedade” e “Síria”, do Xigumandzene, seu álbum de estreia.

Noite a dentro. Os membros do Projecto África iam ganhando posições. Enquanto a transição entre as bandas ocorria, o Dj Benny animava o público, já ávido, com as suas. Entretanto, uma pausa na actuação do Dj foi forçada pelo som de Check que saia da Banda já montada.

Sem delongas, o MC, Hélder Leonel, anunciava o momento em que o conjunto ia actuar num espectáculo que marcava o seu retorno, depois de um interregno que já se arrastava por anos. Da voz de Zabadá, emergiu a letra de “África”. A música traduz o sentimento de pertença ao continente e suas tradições, desiderato que se expressa a partir do nome da banda.

O casamento (quase perfeito), o Projecto África é proveniente da histórica Mafalala, local a que o grupo também dedica uma música interpretada no RoadShow pela Paz e Reconciliação, em Gondola.

Do Chimoio, Mapingue e sua banda foi a proposta a seguir. A cantar em Chiuté, Mapingue enaltece os valores da moçambicanidade, dos quais a Unidade Nacional também faz parte, com coreografias envolventes um conjunto formado por jovens, homens e mulheres, divididos entre as diversas tarefas de uma banda.

A medida em que as actuações aconteciam, crescia o ímpeto e mais uma banda foi chamada ao podium. Os Djaaka, que chegaram da Beira, igualmente no centro do país, dispensam qualquer tipo de apresentações.

Com trajes que deixam boa parte do corpo descoberta, a recordar guerreiros Nguni, o agrupamento atingiu o auge actuação quando fez ecoar o hit “Mbole Mbole Na Yona”. Também cantou outros sucessos, como “Mwaiona Ndjandje” e “Tambalane”.

Para fechar, um fenómeno local. Um dono da casa que sabe receber hóspedes e com eles fazer a festa. Já era madrugada quando Good Boy, a febre de Gondola, subiu ao palco concentrou todas as atenções com seus hinos em forma de música que, interpretados na língua local, refletem os dilemas da juventude e de boa parte das populações.

O chão tremeu ou esteve perto disso, com a vibração do público, maioritariamente local, que acompanha este artista, a cada música e a cada movimento. O carinho é tal que Good Boy era impedido de descer do palco, pois tinha que continuar com a festa, que a posterior esteve ao cargo do DJ Benny.

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