A onomatopeia da pá ia produzindo uma aflição quase celestial – já era hora de dizer adeus, e, mesmo com os olhos molhados, a íris precisava focar naquela urna e guardar, na memória, aquela imagem para todo o sempre.
À volta, havia gente entoando hinos fúnebres, como se tivessem ensaiado a vida toda para aquela acertiva e aflita melodia. O ar quente daquele amarelo setembro tornou-se negro no seio familiar, fez confusão em decifrar o que era lágrima e o que era suor – tudo transbordava com intensidade.
Os coveiros, tão desumanos, faziam o seu papel – enterrar, com muita pressa, o entequerido de alguém, mas não os culpei, juro que não, só senti um pinguinho de raiva deles, pois queria que temperassem aquela areia com um pouco de amor e muitas saudades. Mas não, eles só quiseram fechar mais um dia de trabalho e ganhar dinheiro, para garantir o pão na mesa de suas casas.
Quando o som da última pá soou, os choros aglutinaram, porém, mesmo dolorido, não havia maneira, era hora de dizer adeus. Um tempo depois, pararia de doer, diziam as bocas, mas Deus, o Todo Poderoso, bem sabia de todas as coisas e mesmo assim, separou-me dela, tão cedo.
Quatro anos depois, talvez tenha armazenado a dor da perda na memória episódica, porque não falo, não sinto e só lembro, de vez em quando. O pior de tudo é não mais saber viver a vida e não sentir o sabor das cores da natureza, só por ter feito algo terreal – separei-me d’Ele – disse adeus a Deus, tudo porque Ele me lembrava ela e quando Ele mesmo a tirou de mim, desfaleci.
Lembro de ter visto o mundo desabar, inúmeras vezes. Até o chão mais fundo conheci, a tristeza mais dolorida senti, mas hoje, nada mais há de sentimento guardado daquele dia.
Contudo, ainda lembro, muito bem, do som daquela última pá, do cheiro daquele perfume e daquelas fúnebres canções. Mas acho que já não dói mais, porque naquele dia, quatro anos atrás, disse adeus a Deus e sem ele, a vida é incolor. É por isso que não sinto mais nada, nem por ninguem, nem por mim, nem pelo futuro.