As Minhas Meninas

 

Tenho frequentado constantemente os bares lá da baixa da cidade nos últimos tempos. A “sagrada” Rua Araújo é um dos meus lugares preferidos atualmente. Por um lado, pelo preço da cerveja e, por outro, por ser único local em que realmente consigo cativar a atenção de qualquer mulher.

São as minhas meninas, como carinhosamente as chamo. Observo-as detalhadamente quase todos os dias no crepúsculo da tarde, à espera de mais um jovem saturado com rotina tóxica de um trabalho que não escolheu ou de qualquer frustrado insatisfeito com um casamento em ruínas, dilema típico de uma juventude sem coragem para o divórcio.

Sem discriminação, as minhas meninas estão “abertas” para todos. Um “Ractis” recém-importado por um coitado que vai dever o Millennium BIM pelos próximos cinco anos cruza a esquina e lá estão as minhas meninas, na montra, mostrando o que resta dos corpos totalmente cansados, na ressaca de várias noites mal dormidas na cama de mais um estranho.

São 500 ou 800 meticais para uma ejaculação – muitas vezes precoce. Parece um negócio rentável, a julgar pela quantidade de amigos meus, incluindo os casados, que descem para a baixa da cidade discretamente no final das noitadas de muita droga no Madjedje ou no Opium.

Não se iludam, todas as classes de Maputo encontram-se lá, desde o pobre agente de Mpesa em qualquer esquina da avenida 24 de julho até aos chatos “penteadinhos” engravatados dos escritórios dos prédios da JAT na 25 de setembro. Uns são respeitáveis membros da nossa elite: políticos, diplomatas, banqueiros, professores e etc.

Por uma nota de mil, as minhas meninas dão-lhes o calor e o afeto que eles não encontram mais em casa. Com dois mil meticais na mão, é possível até ter uma orgia com direito ao sexo anal, uma raridade nos casamentos e relações atuais – infelizmente.

O local é sempre definido ao critério do cliente: quem tem dinheiro paga por um quarto numa das pensões decadentes do local, são só 200 meticais. Se não há fundos, o trabalho das minhas meninas pode ser feito mesmo nos tantos parques que existem no local, no carro ou mesmo no chão – há papelões organizados ao detalhe para o efeito – é só subornar os guardas com 50 ou 100 meticais.

O sistema está bem montado e organizado em função das necessidades dos clientes. Logo à entrada, depois da Praça dos Trabalhadores, há uma ala especial em que as “rapidinhas” não passam dos 100 meticais com a camada de mulheres mais “maduras”. É, sem dúvidas, a camada mais impaciente e, consequentemente, pouco aconselhada para os amadores. As “maduras” são as mais diretas: ejaculou e pagou.

Não muito longe das maduras, no departamento das “avantajadas”, as regras são outras e é preciso pagar mais.  As mais avantajadas são as únicas que podem definir critérios mínimos para ir à cama com um cliente, uma realidade que se assemelha um pouco ao que acontece nos relacionamentos atuais em qualquer lado da minha capital.

Embora mais caro e exigente, o departamento das “avantajadas” é mais arriscado: há transexuais entre as meninas e não são poucas as vezes que distraídos só descobrem isso depois da ejaculação. A única vantagem é que o que acontece na Rua Araújo termina na rua Araújo, esta é regra mãe.

O importante é que as minhas meninas estão e sempre estarão lá, faça chuva ou faça sol. Para muitos, os pseudo-moralistas desta sociedade hipócrita, é um trabalho repugnante e vergonhoso. Os religiosos até são mais profundos: é pecado. Uma observação incoerente a julgar pelo já provado facto que há dezenas de pastores que têm amantes dentro das próprias congregações. 

O engraçado é que as vozes mais críticas são as mesmas que se prostituem diariamente por mais um trocado no “Job”, lambendo as botas dos seus chefes para não perder os empregos ou sustentando relacionamentos fadados ao fracasso em casa por causa da estabilidade financeiro do parceiro.

Enquanto isso, para muitas das minhas meninas, de cama em cama, esta é única forma que resta para ganhar dinheiro e sustentar as suas famílias, incluindo os tantos maridos desempregados que mal sabem que as suas mulheres são prostitutas.

Com dinheiro de quem precisa ejacular face ao contínuo martírio desta sociedade tóxica, parte das minhas meninas paga a escola dos seus filhos e as contas, num trabalho que, embora legalmente honesto e necessário, é diariamente marginalizado por uma sociedade cabalmente hipócrita.

Nota: Texto publicado no jornal Evidências de 14 março de 2023

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