Que prazeres, que hormónios?

O salário finalmente caiu. São dezoito horas. Chamo um táxi, o mais caro da cidade. Quando tenho alguma coisa na conta, não meço esforços para viver bem, nem que seja por um ou dois dias. Desligo o computador, pego nos meus pertences pessoais e despeço-me dos meus colegas.

Chega-me o táxi, a melhor marca com o melhor conforto. Tudo à altura. Seguimos, a deixar para trás as avenidas que fazem a cidade de Maputo. Pelos vidros fumados, nas bocas ao longo da estrada que engolem e cospem as viaturas, passo os olhos sobre tudo o que me atravessa – jovens engravatados, mulheres ao sol com peneiras de amendoim torrado, idosos a mendigar e crianças em busca de sobrevivência nos contentores de lixo.

A viagem terminou. Morar no centro do Chamanculo, tem dessas: nunca ter tido o privilégio de descer do carro, exactamente no portão de casa. Sigo, com os meus Airpords originais de cor branca, ao som de Azagaia, em Maçonaria.

Curvo pelo penúltimo beco em direcção à minha casa quando, ao meio, noto a presença de uma criança, quase deitada no chão, como se procurasse por uma moeda engolida pela areia. Não me espanto ao encontrar menores a esta hora. Por aqui, é normal mães deixarem seus filhos à própria sorte para comprar tomate, alho ou qualquer coisa que segure o estômago durante a noite.

Cada vez que me aproximo, percebo que, neste beco pouco movimentado, há, na verdade, duas crianças, ambas vizinhas minhas.
Já vi de tantas brincadeiras reinventadas por crianças talentosas do meu bairro, mas esta em que a menina expulsa suas peças de roupa, excepto a blusa, e o menino fica por cima, com as calças arrastadas até aos joelhos, não orgulha nem um pouco.

Separo-as e ordeno que se vistam imediatamente. Em pânico, repetem “estávamos a brincar, mana Beny”.

Lembro-me que, nos meus tempos, brincávamos “Papá e Mamã”, uma brincadeira de convivência em família. Havia um pai, uma mãe e filhos. Até construímos casas de capulana ou sacos de arroz. Em latas de sardinhas, a mamã confeccionava os alimentos, que eram constituídos por restos de comida de nossas casas ou por verduras que tirávamos das machambas ao redor. Nunca chegamos a ir longe demais como o que acabo de testumunhar .

Levo-as para suas casas, enquanto as entalo de conselhos. Confesso que não paro de questionar a mim mesma, como duas crianças, de doze e nove anos de idade, orquestraram tal ideia.

Há muita agitação na casa às barbas do campo. Carros. Música. Cheiro de comida da festa. Não pareço ser desta zona. Saio muito cedo e volto muito tarde, por isso as informações me escapam e, também, talvez seja por essa razão que nunca recebo convites por parte dos meus vizinhos.

Na semana passada, na sala ao lado da minha, houve uma graduação e aconteceu o mesmo. Convidaram a minha mãe e os meus irmãos. Devem me achar antissocial.

Alisson e Bianca, os dois menores apanhados em prazeres adultos, buscando experiência vista em algum lugar, informam que estão naquela festa com suas mães. Avançamos até ao portão, quando vemos as duas na roda de dança aos assobios e risos.

Solto as crianças e deixo se juntaram às mães. Amanhã, ao acordar, irei às suas casas, informar acerca do sucedido.

Achei que fosse uma geração apenas Android, é novidade que as crianças vão além das novas tecnologias de informação e comunicação. Vou deixar amanhecer, enquanto assimilo tudo o que os meus olhos testemunharam.

Acordar cedo é cansativo, mesmo que seja rotineiro. Aturar o meu chefe, é mil vezes pior. Então, sempre que o salário entra, separo uma parte para as despesas de casa e compro duas caixas de cerveja para mim. Desta vez não foi diferente. Passei pelo Botle Store do James e peguei algumas.

Cuidadosamente, abro o portão de casa, produzido por fragmentos de chapa. Sigo em direcção ao nosso quarto, meu e dos meus dois irmãos. Sou a filha mais velha; depois veio um menino e, por fim, uma menina. É uma casa de dois quartos e sala. Os meus pais, obviamente, dormem juntos. Agora nós, partilhamos o quarto. Aliás, agora estamos três pessoas neste quarto, a contar com o nosso primo, o Dalton, de vinte e quatro anos, que veio passar o fim de semana cá.

Ouço gemidos vindos do nosso quarto. Apresso os meus passos e afasto a cortina na entrada do quarto, para ver o que está a acontecer. Não é a televisão, muito menos o som de um vídeo visto pelo telefone. É aqui. O Dalton e a minha irmã caçula, de treze anos de idade.
Incrédula, perco a voz e apenas observo. Tânia não grita, nem de prazer nem de dor. Não se mexe. Com as mãos, cobriu o rosto e direcionou-o para o lado esquerdo. São gemidos de Dalton, como se estivesse a aliviar a sua sede.

Finalmente, levanto a voz, separam-se e Tânia levanta rapidamente da cama, abraça-me e chora até soluçar.
Primeiro entre crianças vizinhas e agora entre primos? Questiono-me enquanto conforto, com o meu abraço, a minha caçula.

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Scroll to Top