O hospital do país doente também adoeceu

Escrito por Énia Lipanga

Tudo começara com uma constipação; um incômodo na garganta, uma tosse leve que parecia ser algo que poderia ser aliviado com cebolas ou mel. Entretanto, o hospital encontrara-se submerso em uma poça de catarro que perdurara uma vida inteira.

Não havia pausas nem tréguas na dor. O hospital, outrora robusto, acabara por ceder sob o peso de infortúnios. Os dentes do edifício rangiam, suas muletas estavam quebradas, as feridas estavam expostas, cicatrizes de batalhas onde faltavam linhas para costurar as rachaduras.

E, então, o hospital do país doente também adoeceu. Com narinas congestionadas e febres acima dos quarenta, a tristeza pairava sobre os enfermos sem a mesma opção dos dirigentes que se dirigiam lá ao ocidente onde o hospital não está doente.

E os doentes do país com o hospital doente?
Testemunhavam suas vidas se esvaírem na fila longa e fria da triagem. Eles esperavam que uma voz ecoasse seus nomes, mas quem iria proporcionar melodia aos corredores?

Amostras de sangue, urina e fezes, agora decoravam os pratos dos enfermeiros desprovidos de luvas, aventais e máscaras, eles preenchiam os recipientes com suas próprias lágrimas.

Os comprimidos encontraram abrigo nos estômagos vazios dos pacientes, enfermeiros, assim como dos médicos que também não saíam ilesos. Toda uma nação tinha se tornado paciente naquela longa fila de ossos quebrados e sangue por todo lado.

As migalhas para os internos eram escassas, assim como a lucidez para despertar daquela chacina, onde os funcionários do hospital haviam jurado salvar vidas.

Na ortopedia, não havia mais ligaduras para imobilizar os corpos lesionados. Gesso sólido e água aquecida também eram recursos escassos. A insulina estava em falta para manter o glicosímetro. Faltava também a cacografia para preencher as páginas das receitas. Não havia corrente elétrica para as bombas de infusão, macas adequadas para a chegada de novas vidas, quais vidas?

E dado que os saudáveis estavam à beira de se tornarem enfermos, não haveria espaço na morgue para acolhê-los. No entanto, os dirigentes sempre escapavam, não precisavam da sobrevivência deste hospital nem daquela gente indigente.

Naquele país, o lema dos dirigentes era “O nosso maior valor é a vida” e fazia muito sentido para eles, pois hipotecavam a vida de milhares para tossirem na China, escarrarem em Dubai e terem o diagnóstico na Índia. Já nem se lembravam de quem percorria quilômetros para morrer na triagem e ter a autópsia negada porque o hospital estava enfermo.

Talvez fosse a hora de o hospital fazer campanhas no Facebook para custear um check-up numa clínica privada.

Porque, até hoje, dizem não saber de que padece o hospital do país…

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