Lápis ou pincel para “despertar consciências”

Estevão Chavisso (texto) e Luísa Nhantumbo (fotos), da agência Lusa

Adecoal escolheu, há quase 18 anos, o lápis e o pincel como “armas” para “despertar consciências”, denunciando as preocupações de uma juventude que, desde a morte do ‘rapper’ e ativista Azagaia, percebeu que em Moçambique “as liberdades estão ameaçadas”.

“Eu transformo o meu trabalho de arte e ‘design’ numa força de combate. Uma força para despertar os outros”, explica à Lusa o artista, a partir do seu pequeno ateliê no interior do bairro do Alto Maé, na cidade de Maputo.

A viagem pelo mundo das cores de Adecoal, nome artístico de Alberto Correia, começa aos 04 anos, mas só mais tarde ele percebe que está perante uma arte capaz de operar mudanças sociais, principalmente face aos inúmeros desafios da juventude da periferia de Maputo.

Com um nível de minuciosidade profundo, Adecoal pinta a lápis ou a pincel uma realidade que lhe é própria, exaltando a cultura urbana em quadros ou peças de roupa com uma expressão intensa e que expõem as tristezas e as alegrias dos becos e ruelas da capital moçambicana.

“Os subúrbios fizeram-me como artista […] as condições em que nós fazíamos o nosso trabalho, os jovens que nós víamos a perderem-se nas drogas e no crime. E todos os outros problemas sociais. Todos estes componentes transformaram-me no que eu sou hoje”, explicou o jovem artista, enquanto pinta mais um quadro.

No seu ateliê, entre a leve desordem típica de um artista obcecado e clássicos de álbuns musicais de ‘rappers’ de intervenção social que ele escuta enquanto pinta, quadros de figuras de referência da história de Moçambique – entre as quais o artista plástico Malangatana – denunciam a génese da visão rebelde que compõe Adecoal.

“Eu sou fruto da intervenção social”, explica à Lusa o artista, que admite influências de ‘rappers’ como o português Valete e o moçambicano Azagaia, este último falecido em março e de quem era amigo.

“Para mim o Azagaia só morreu na parte física e ainda dói muito saber que nunca mais o poderei ver […] quando ele morre, nós estávamos a trabalhar no ‘branding’ da imagem dele e tínhamos várias coisas agendadas […] Fiquei chocado e, no dia seguinte, pintei em sua homenagem a chorar”, lamentou o artista.

Azagaia morreu em 09 de março vítima de doença, consternando milhares de fãs e sobretudo jovens que se reveem nas suas mensagens quase por toda a lusofonia.

Após a sua morte, um grupo de ativistas tentou organizar, em 18 de março, marchas em sua homenagem em todo país, iniciativas que foram reprimidas com violência pela polícia, deixando vários feridos.

“Nós fomos mal interpretados no dia 18 de março. Nós queríamos homenagear alguém que admirámos porque conseguiu mostrar-nos que há outras formas de estar e pensar […] Mas ficou claro que realmente não temos o direito de mostrar o que nós somos ou que nós pensamos. É triste para um país como nosso, que se diz democrático”, concluiu Adecoal.

Os episódios de 18 março mereceram a condenação de várias entidades que alertaram para a violência policial injustificada face a grupos pacíficos e desarmados, classificando-os como um dos sinais mais visíveis das limitações à liberdade de expressão e de manifestação em Moçambique. (Lusa)

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