Os “Objectos do Ofício” de Amarildo Rungo

Poderia ter sido a primeira, ou mesmo a segunda, exposição individual do artista plástico Amarildo Rungo. Entretanto, por força de diversos factores, os “Objectos do Ofício”, elaborados entre 2017 e 2020, foram engavetados, dando espaço a novas visões e horizontes que não só enriqueceram o percurso do artista, mas também o inspiraram a recuar no tempo e mostrar as marcas dos seus primeiros passos na cena das artes.

É a terceira exposição individual de Amarildo Rungo (depois de “Xingufo” e “Xidjumba”). A monstra está alojada na X-HUB Incubadora Criativa e reúne as primeiras telas deste artista que se divide entre as artes plásticas, cénicas e também a música.

“São obras que pertencem a um período em que ainda estava a fluir como artista”, descreve o artista em entrevista ao Mbenga.

“Objectos do Ofício” é o seu terceiro bebé. Como foi este parto?

Nesta exposição eu trago obras que são de um tempo, ou seja, que pertencem a um período em que eu ainda estava a fluir como artista. Claro que continuo fluindo até agora, mas para dizer que esta exposição traz as minhas primeiras peças artísticas, sem deixar de destacar que em 2015 e 2016 também tive muitas peças que se calhar ao longo do tempo  foram desaparecendo, algumas oferecendo a familiares, amigos e algumas se calhar reutilizando as próprias telas para tecer novos pensamentos  que iam surgindo com os dias.

Sem contar que, com a falta de material, era muito normal ter uma tela ali e depois ter que reutilizar esta mesma tela para estampar um outro pensamento, então é mesmo a partir de  2017, 2018, 2019 e 2020 que começam a fluir os “Objectos do Oficio”  e que são obras que depois foram ficando armazenadas, porque no processo de aprender, eu fui aprendendo outras temáticas artísticas e vendo outras abordagens que também me fizeram pôr a minha mão em outro tipo de oficio, como é a instalação do “Xingufo” que não é o  meu primeiro objecto de oficio. É, se calhar, o segundo ou terceiro, mas que foi o primeiro a me dar oportunidade de poder aparecer na mídia artística, nas galerias e para o público cultural.

Então o “Xingufo” porque se calhar é uma estratégia, mais contemporânea, abrangente e nova. São coisas que surpreendem as pessoas, se calhar foi uma boa estratégia poder aparecer antes com o “Xingufo” e que agora sentindo um pouco mais a frente já vejo essa possibilidade de retirar os objectos de oficio que já há muito tempo estavam na gaveta, é basicamente isso.

É um parto cuja gestação já durava há anos. Por que só agora esta exposição?

Esta exposição vem sendo apresentada agora porque é uma exposição cujas obras eu preparei num tempo  em que estava no percurso  de poder conhecer  o caminho das artes, mas que depois fui vendo novas estratégias, de onde saiu lá o “Xingufo” e saíram lá as “Xidjumbas” primeiro. É por isso que o tempo  dessa exposição vem se calhar sendo tardio. Talvez não sendo tardio, mas sim oportuno. Tipo dá-me vontade, dá-me possibilidade de mostrar outras facetas, porque quem sabe se eu tivesse apresentado esse trabalho tempos mais atrás teria ficado muito confortável e não teria avançado para matéria das instalações como “Xingufo” e  outras matérias que venho trabalhando nelas também a nível da performance.

Ao olhar para “Xidjumbas” e “Xingufos”, seus outros trabalhos, percebe-se um grande envolvimento do corpo, em performance. O mesmo vemos em Corpo(r)acção… porquê?

A ideia das outras exposições que eu já fiz partiam mais de um pressuposto  de querer reaproveitar  as matérias que estão ao meu redor, porque confesso que houve um tempo em que eu  penso, se calhar, em parar de pintar, pelas dificuldades de adquirir o material, dificuldades de poder ter dinheiro.

Conforme eu digo, o tempo dos “Objectos do Ofício”s também é  um tempo caracterizado por falta de recursos, desemprego, ser muito jovem se calhar na adolescência depender dos pais  e quando não há algum material não se faz nada.

No entanto a ideia do “Xingufo” e da “Xidjumba” partem daquela ideia de eu ver de que não tenho materiais que geralmente costumo usar para fazer os meus objectos, então que tal começar a pensar em novas formas, dali que começar a olhar para o tecido, os plásticos ao meu redor começou também a ser uma estratégia de eu não parar, de eu não ficar congelado no tempo, porque era adolescente e não tinha recursos para comprar materiais, esperar se calhar para crescer ou esperar até quando poder ter dinheiro para comprar o material. Então, há esse ponto também por se perceber nessa questão do surgimento da “Corpo(r)ação”, “Xidjumbas” e em diante…

Entretanto, nestes “Objectos do Ofício” o diálogo é mais abstrato…

A ideia dos “Objectos do Oficio” é sim praticamente uma ideia abstrata, porque as obras tendem a retratar mais um pouco daquilo que são as dificuldades, as dores de expressar-me sobre a própria caminhada e a dureza que a caminhada apresenta a cada etapa que nós vamos alcançando na dinâmica artística e no percorrer deste caminho tão longo.

À semelhança das outras exposições, inclusive a dos Xingufos, temos linhas a nos conduzir pelos “Objectos do Ofício”. Porquê?

A questão das linhas na verdade é mais um uso de uma matéria alternativa que podemos encontrar no nosso meio. Cortar um tecido e poder fazer uma linha é uma questão alternativa no uso do próprio material.

Serão estes os caminhos pelos quais se faz o percurso de Amarildo?

Não seriam exatamente esses os caminhos que eu tenho seguido, que eu tenho pretendido construir, mas é questão mesmo do material disponível e que está ao alcance que tem que ser reutilizado de várias formas, tem que ser apresentado de várias maneiras e se apresentamos as linhas, por exemplo nos “Xingufos” e nas “Xidjumbas” era mais sobre um ponto de vista de poder trazer equilíbrio para as bolas no espaço, enquanto que aqui nos objetos de oficio a linha está mais a assumir a posição de um material que esteve disponível e que procurou-se uma ideia para que seja utilizado e pudesse transmitir uma sensação quando estiver na tela.

Qual é a origem destes “Objectos do Ofício”?

A origem desses “Objectos do Oficio” é mesmo a dinâmica de um pensamento que se formou dentro de mim e que eu vi que era bastante pertinente poder retirar este pensamento para que estivesse além do lado psicológico, mas para que passasse a ser um objecto que ocupa espaço, ter um espaço no universo dos objetos , ser uma coisa palpável, uma coisa que possa ser vista e apreciada, se calhar as obras não exploram grandes temáticas a nível de técnicas, grandes conhecimentos a nível de técnicas, mas o facto é que são objectos que ocupam um lugar e podem ser vistos.

Procuro originar este conceito dos “Objectos do Oficio” não no ponto de vista da perfeição de uma obra, não também do ponto de vista de supremacia da obra, mas no ponto de vista de ser uma coisa que existe e que está no local.

É, também, uma exposição que cruza as múltiplas facetas do Amarildo, como que a tentar mostrar que a inspiração para produzir estas pinturas é exactamente a mesma de quando actua no teatro ou faz música…

A forma de abordar as questões nem sempre é a mesma, porque a inspiração para os “Objectos do Oficio”, como para as “Xidjumbas” e para os “Xingufos” se calhar não é a mesma.

Conforme dizia, os “Objectos do Oficio” nascem da expectativa de eu querer crescer, querer ser alguém que tenha algo que propriamente seu. É a outra coisa em destaque nos “Objectos do Oficio”, são das únicas coisas que eu olho nesta vida que pertencem a mim e que são minhas coisas e que carregam meu nome.

No entanto a ideia da própria inspiração, parte já daquilo que vamos observando dia pós dia, “Xidjumbas” começa a ser uma inspiração que parte dessa ideia de reutilizar, não tenho material tem que reutilizar, então só posso buscar isto e aquilo e ver o que é que eu faço que possa surgir e eu sentir que estou a fazer alguma coisa.

De todas as formas diríamos que todas as artes são os objetos do oficio de um artista e tanto “Xingufo” quanto a “Xidjumba” e tanto estes “Objetos do Oficio” que trago nesta exposição da X-Hub são todos eles frutos de inspirações diferentes, inspirações de dias diferentes, de observações diferentes e que no seu todo falam sobre mim e falam sobra a minha existência no campo das artes.

Será também nesse propósito que os “Objectos do Ofício” nos levam a conhecer o Amarildo numa dimensão mais profunda?

Sim, estes objectos de oficio de facto levam-me a me deixar conhecer perante o público, levam-me a  fazer com que as pessoas saibam, de onde é que eu venho, que para quem presenciou a inauguração da exposição vamos ver que lá eu contei uma história que é uma história que devo sublinhar bastante, porque faz parte da luta, da minha guerra e tudo aquilo que eu vi dentro dessa história que eu contei no dia da inauguração em jeito de performance.

Claro, foi um momento bastante lúdico e oportuno para expressar-me sobre uma história verdadeira da minha vida, mas se calhar em jeito de teatro que era para as pessoas também sentirem-se mais abrangidas naquele momento.     

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