“Together” para unir o mundo

O termo “multifacetado” encaixa-se melhor quando se está a falar de Deodato Siquir, baterista, percussionista, curador, produtor musical e agora também guitarrista. Aos 48 anos de idade e com o ar jovial a preencher-lhe o ser, é um artista que se pode dar por feliz quando rebobina a memória e espreita para o seu percurso.

Experimentado, já partilhou palcos e projectos com ínumeros artistas nacionais e estrangeiros. Tem três álbuns de originais: “O Balanço” (2007), “Mutema” (2011) e “Together”, este último lançado em Abril, na Dinamarca, e que agora aterra para este lado do Índico.

Dividido entre Estocolmo, Suécia (onde tem família e trabalha) e Copenhaga, Dinamarca (onde vive), Deodato Siquir está em Moçambique para “oferecer” “Together” aos seus admiradores, uma proposta para “unir o mundo”. Também irá tocar, no dia 15, no Museu Mafalala, e apresentar ao público a sua banda, “Freedom Tree”, projecto colaborativo que já vai no terceiro álbum, motivo mais do que suficiente para dois dedos de conversa.

Comecemos com uma curiosidade. Vejo que cortou o seu cabelo…

Foi uma maneira de me refrescar, dar outro visual um pouco mais realístico do que sou, de quem me pareço.

De regresso à casa. Que energia sente quando pisa esta terra?

É um sentimento especial. A última vez que cá estive foi em Maio de 2019. O plano era vir em 2020, mas chegou a pandemia. Foram 4 anos fora daqui e muita coisa aconteceu. Fiquei avô, a minha filha casou e não pude estar. Muita coisa mudou e tenho de me reajustar. Estou feliz por poder rever amigos, família, passear, trabalhar e recarregar minhas baterias.

Que coisas daqui lhe fazem falta?

A família, vizinhos, gastronomia, as badjias, apesar de fazer em casa, mas não são iguais às da vizinha. O clima e a ‘vibe’ de estar com colegas de longa data, com pessoas com quem falo a mesma língua.

Cresceu numa família de músicos. Está no seu DNA. Quando sentiu que era o caminho a seguir?

Nasci músico, numa família de músicos, o vírus musical estava dentro de mim, é-me uma coisa natural. Não precisei de me esforçar, apesar de que para ser bom músico é preciso dedicação. Mas não usei o facto do meu avô ser o tal que fez o “Jambo 70”. Tenho dois tios que tocavam bateria e baixo, juntamente com meu pai. Foi lá que ele conheceu a minha mãe. Nasci eu e mais três. Sou primo do Simba e Dice, irmão de Mega Júnior e Deusa Poética. E agora vem a terceira geração. É uma coisa contínua, temos que seguir o legado.

Como começa a tocar bateria?

Quando começo a me interessar pela música não era pela bateria, mas, sim, pelo canto. Ainda me lembro do ‘Thriller’ de Michael Jackson, aquele álbum mexeu comigo e pensei que fosse ser cantor. Mas em 1986, quando vivia no bairro de Maxaquene, conheci uma malta que tocava com instrumentos fabricados com material reciclado. E tinha lá um baterista chamado Chico Mangue. Ele já tocava com Zeca Murasse, Avelino Mondlane, Joaquim Macuácua, Alfredo Mulhui, Fernando Chiúre. Fiquei impressionado ao vê-lo a tocar e pensei: “eu posso. Voltei à casa e construí a minha bateria”.

E o que se seguiu?

Um ano depois entro para o grupo da Continuadores, que se chamava “Escolinha Vamos Brincar”, de onde nasceram grandes músicos: António Milice, Jorge Moisés, Jorge Muzima…. Fomos crescendo e viramos “JASDE” e, em 1990, concorremos e ganhamos o primeiro concurso de novos talentos produzido pela Associação Moçambicana dos Músicos. Ao mesmo tempo, estávamos em paralelo com grupos como Pétalas Amarelas e Orquestra Juvenil da RM.

Havia partilha…

Tocávamos nos mesmos eventos, ensaiávamos juntos na RM, tínhamos um dia de aulas de música na Rádio.

Depois dessas experiências, criou uma banda…

Depois da “Escolinha Vamos Brincar” fiquei amigo do filho de Mateus Vilanculos, que se chamava Carlinhos, um baixista e juntos, com Vali Camal, entramos para a banda Sungura Tswa, que acompanhava Mateus Vilanculos, Victor Bernardo, Gina Vilanculos e outros. Era novo, tinha por aí 16 anos, já tocava profissionalmente.

(E…)

Depois fui para Zamoc Star, uma banda que tocava música congolesa. Era um grupo grande e andamos por todo Moçambique. Em 1992, entrei na Formação de Professores Primários e quando termino os estudos acaba também o Zamoc, em 1996. Então, começo a dedicar-me a outros estilos musicais, a trabalhar com nomes como professor Orlando da Conceição, Txika, Lote Paulo. Tocamos muito na Associação Cultural Txova Xitaduma.

E logo veio a Mozafro…

(Sim). Queria trabalhar com músicos da minha idade. Fizemos um quarteto com Fanuel Macuaua, Jimmy Guaza e Isaías Nhacocana. Na mesma altura comecei a trabalhar com Dua e Paulo Wilson. Foi quando em 2001 emigrei para Suécia.

Na Mozafro o que faziam?

Já tínhamos definido em termos de estilo o que fazíamos. Chegamos a participar de uma compilação de uma gravadora Sueca.

Era Jazz?

Eu não sou músico de Jazz. Simplesmente faço música. Pode ser um estilo que pessoas não estejam habituadas a ouvir. Quando tem uma cadência diferente, todo mundo chama de Jazz, mas não diria que sou músico de Jazz. Não é uma coisa que sairia e dizer que faço.  

Tem composições de Rock com Alfa Thulana…

Sim, estão por aí, quando estivermos mais velhinhos e com tempo, vamos recordar.

Teve uma transição com professor Orlando…

Foi uma escola, não por muito tempo, mas amei estar ao lado dele e aprender. É tudo uma escola, tal como foi a experiência com música congolesa. Até hoje, continuo a aprender e ainda me aparecem convites para tocar música congolesa e sou grato por ter tido o período na Zamoc. Tive a oportunidade de conhecer vários estilos, incluindo Rock.

ADD 1

Celebrar a união

Há pouco lançou o seu álbum “Together”. Como foi o processo de produção?

“Together” começou num processo educacional para técnicos de som que trabalham em estúdios. Foi um curso hospedado pelo Academia Royal de Música da Dinamarca, para o qual fui convidado para ser “cobaia”, portanto, um músico dentro do estúdio e os técnicos na cabine, com o seu professor, Nils Ekner, a mostrar-lhes como é que o equipamento funciona. O álbum tem 12 temas; uma recriação da música de Hortêncio Langa, “Homem Novo”; uma evangélica; um salmo e uma tradicional folclore.

Por que decidiu pelo tema de Hortêncio Langa?

Ele perde a vida quando eu estava precisamente no estúdio a gravar este disco. Quando recebi a notícia, veio-me à cabeça a música “Homem Novo”, que na verdade é “Homem Povo”. É um tema que ouvi pela primeira vez quando tinha três anos. Cresci ouvindo e depois desapareceu. A nossa rádio deixou de tocá-la. Então, pedi aos músicos para que déssemos um tributo a um grande homem, porque ele foi um dos nossos maiores compositores.

Quem são os músicos moçambicanos que participam no álbum?

Hélder Gonzaga, Papi Miranda, Nelton Miranda e Ivan Mazuze, tudo feito de forma virtual. Tem também a minha tia, Rita Vilanculos, que é pastora, e cantou um salmo.

Qual é a mensagem principal?

É a união, porque unidos podemos ser ainda mais fortes e tornar maravilhoso este lugar que se chama planeta terra.

Programou um lançamento oficial?

Será feito no dia 22 deste mês, no Café Gil Vicente, mas vai ser uma sessão suave, de venda do disco, onde vou tocar três temas em acústico. Os discos estão disponíveis, levo-os comigo. Os que estarão disponíveis no concerto, no Museu Mafalala, poderão ser comprados lá, embora o espectáculo não seja dedicado ao lançamento do álbum.

Entretanto…

 A minha vinda a Moçambique, este ano, para além do lançamento do “Together”, tem o propósito de lançar o álbum do projecto “Freedom Tree”, uma banda com a qual tenho vindo a trabalhar e irei tocar na Mafalala e no Auditório do Município da Matola para a transmissão directa do projecto de Jazz, da Rádio Cidade.

Como sentiu a recepção do seu último trabalho na Dinamarca?

Pelo que já ouvi, a recepção é boa, as pessoas estão surpreendidas, porque é um disco que tem uma virtude diferente em termos de sonoridade, comparado com os meus dois primeiros álbuns, porque neles tinha Deodato como baterista, cantor, e neste tem Deodato guitarrista, apesar de não ser virtuoso. Têm-no também a cantar e tocar percussão. É um disco semi-acústico, que não tem bateria, tudo o que é ritmo são percussões. É um disco interessante.

“FREDOM TREE” NA MAFALALA

Quando é que fundaram “Freedom Tree”?

Foi criado em 2012. É um grupo de 3 nacionalidades. O guitarrista é Norueguês vivendo na Suécia, chama-se Steinar Aadnekvam. O baixista brasileiro chama-se Rubem Farias, que vive no Estocolmo. Quando os conheci também vivia em Estocolmo, mas uns anos depois voltei à Dinamarca. Estou dividido entre dois países que são Suécia e Dinamarca. No primeiro tenho os meus colegas do “Freedom Free” e as minhas filhas. E vivo na Dinamarca.

Qual era o conceito quando criaram a banda?

O propósito era que cada um pudesse se expressar na sua linhagem, combinando as três culturas, fazendo elas soarem harmonicamente.

E o que significa trazer este gupo para Mafalala?

Os meus avós maternos são de lá, é como voltar às raízes.

O que vão apresentar na Mafalala?

O espectáculo será baseado no álbum que viemos publicar. Somos três compositores e cada um tem as suas criações no disco. Iremos também apresentar novas composições.

Há convidados?

Não teremos convidados para este concerto. É preciso entender que trouxe os meus colegas da banda a Moçambique, porque quero que eles se aproximem das minhas raízes, cultura, para que melhor possam me entender.

Estes dois álbuns serão lançados este ano?

Não tenho certeza. Não temos patrão, não temos compromisso com gravadoras. As coisas levam o seu tempo. Veja que “Together” foi um disco que levou quatro anos. E nada estava a complicar, é que não estava pronto. “Balanço” levou seis anos.

COLABORAÇÃO

ENTRE ARTISTAS

Já experimentou vários estilos, tocou com muitos artistas…

Encontrar e trabalhar com vários músicos enriqueceu-me como pessoa. Mas o que conta não tem a ver com música, com o tocar ou ser virtuoso, mas com a personalidade. Para mim, não é como a gente vai tocar, é como a gente se dá como pessoas, a sintonia. Há vezes que encontramos pessoas que não têm sintonia connosco por alguma razão, o que significa não que sejam más.

Que destino deu ao projecto “Mandamentos da Vida”?

Não materializei porque parte dos temas deste projecto foi usado no álbum “Mutema”. Está nas gavetas.

Embora viva fora do país, acompanha a cena artística. Quais são os nomes de jovens que lhe causam espanto?

Há uns: Ivan Mazuze, Lalah Mahigo, Onésia Muholove, Válter Mabas, Sarmento Cristo, Elcides Carlos, Xixel, Alfa Thulane, o trabalho do nosso Stewart, sigo admirando Dua… são tantos. Sinto que o caminho é bom, estes músicos têm a sua identidade.

Se tivesse de dar um conselho a quem quer ter uma carreira sólida, o que diria?

Faça-o com dedicação, honestidade, humildade e bonito.

A nossa indústria é emergente. Que dica poderia dar para que seja forte?

Olhar ao que se passa à volta do mundo, inspirar-se um no outro. Penso que é a chave para que a indústria possa crescer. Colaborar, porque isto é importante entre os artistas.

Pratica durante quantas horas?

Nunca pratiquei.

Sugestão de álbum, livro e filme…

Livro: “The Secret”, de Rhonda Bryne. Álbum: “Faces and Places”, de Joe Zawinul. Filme: “Don´t Look Up, de Adan Mckay”.

Para terminar…

Quero agradecer a todos que sempre estão do meu lado dando o suporte de todas as formas. Às minhas famílias Moçambicana, Dinamaquesa e Sueca. Aos meus fãs, seguidores e a todos os jornalistas que divulgam o meu trabalho. Paz, saúde e prosperidade.

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