Azgo: Crónicas de uma noite afro-futurista

A experiência afro-futurista do Azgo 2023, fez o festival cuja última vez que vivemos tinha sido em 2019 na promessa de no Maio seguinte “enjoyarmos” a festa que seria dos 10 anos. Veio a pandemia e tudo o que se sabe. Tivemos de esperar até a sexta da semana passada para tal.

Ainda na fila do portão que dava acesso ao recinto, vestes um tanto inusitadas prendem alguns segundos de atenção. Quem as enverga está a concorrer para os 50 mil meticais, prémio para a indumentária mais inovadora para o conceito. Há quem os pare para fazer fotografias e selfies para alimentar as suas redes sociais, instantaneamente.

Através desta componente, o Azgo acaba tomando posição no debate moderno que escorre ao pós-moderno sobre se o teatro, que trago para a performance, deve ou não envolver o “croud” no espectáculo. Obediente ao francês Antoine Marie Joseph Artaud, o festival deu, igualmente, protagonismo ao público, tornando-o parte activa do mega evento.

As propostas de vestes, inéditas ao longo dos 13 anos de produção do Azgo, desafiaram aos “azgoers” na ideia de começar a tecer as linhas que costuram o que está por vir. Um tanto fantásticas projecções do futuro.

Entrando, pelo portão de bilhetes normais, para o estacionamento do Campus Principal da Universidade Eduardo Mondlane está tomado por tendas de vendas de comes, bebes, senhas, roupas e coisas mais. Aos primeiros passos o palco Zena Bacar diz olá.

Imediatamente ao lado, uma tela gigante transmite em directo para o Instagram. Para-se para fotografias e videos, como que para testemunhar a presença. Alguns passos adiante, ao estilo old school – das fotos dos nossos pais, que folheamos nos álbuns impressos – de ir ao estúdio para fotografar, está um “spot” com o fundo desenhado pelo artista visual contemporâneo Psiconauta – aliás, o mesmo que esteve na exposição que realizou ano passado no Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM), intitulada “Nirivalele hi kuxwela”.

Mais para o fundo, acena o “Fany Mpfumo”, segundo e maior palco desta edição, que contou ainda com um terceiro, que esteve ao cargo da 16 Neto Co-Work e Cultural Space. Este último teve as performances dos músicos em ascensão, vindos da cena alternativa da “town”: Denilson LA, Karen Ponto, CKarina Miller e Pizzawpineapples.

Foi a primeira vez que o evento teve três palcos e, a responder ao conceito, como o acima referido apontou para as futuras estrelas que têm vindo à superfície pela mão de Evaristo Abreu, director cultural da “16”, que igualmente têm proposto novos nomes para a cena das artes visuais. E desta forma pode-se até assumir que foi uma forma interessante de cobrir o vazio que o festival deixou retirando a batalha das bandas que decorria no Gil Vicente e permitia que projectos pouco conhecidos tivessem acesso ao grande palco como os do Azgo e manter contacto com outros de rodagem internacional, vindos de diversos cantos do mundo.

Estamos no sábado, dia 20. O dia está frio. Todos de camisola ou casaco, a excepção de quem toma umas espirituosas que transporta no copo. Pela manhã ainda ameaçou uma chuva, que aliás desde sexta, pouco antes da abertura no “Franco” já nos deixava receosos. Mas não passou de ameaça e a gozar, uma malta comentava, na fila do bar: “Paulo Chibanga e a Júlia Novela foram negociar na Katembe”. Referiam-se ao fundador do festival e a actual directora, a partir dos mitos sobre os poderes metafísicos vindos da outra margem do estuário Espírito Santo.

Mark Exodus

Para a data principal do festival estava prevista a vinnyl experience com o Dj Bob, Pizzawpineapples, CKarina Miller e Bloco Chapa 100. Quando já eram 18.45, desanimado e pouco entusiasmado subia ao palco Mark Exodus, actualmente, uma das vozes mais relevantes do R&B contemporâneo nacional, em termos de canto, produção e composição. Seguiram-se a intérprete de Eswatini, Thobile’Makhoyane com o seu canto que muito bebe do folclore das suas terras e resulta em algo que roça o espiritual.

Na sequência foi Dehermes, jovem músico popular, autor do hit das festas “Puxa Mazambana”, que percorre os universos do rap, afrobeat, pandza e resquícios de rumba. O público ainda ia se compondo ao estilo moçambicano de estar-se nas tintas para o relógio. Outros talks.

Eduardo Paim, de Angola, trouxe as suas velhas glórias para o gáudio dos nostálgicos dos tempos em que a rádio ainda impunha os gostos. Estamos a falar de faixas como “Rosa baila”, “São saudades”, “Minha vizinha”. A sua energia no palco Fany Mpfumo nos fazia esquecer que, como o próprio disse a dado momento do concerto, “já sou Kota”.

“Divo, divo, divo”, gritou o público quando foi anunciado que Stewart Sukuma subiria ao palco Zena Bacar. Como lhe é característico, fez a festa a dançar a sua “Xitchuketa Marrabenta”, nos recordou “Felizmina”, “Caranguejo” e outros hits que compõem a galeria de sucessos de uma das figuras mais relevantes da música ligeira e popular moçambicana com um contributo que já conta 40 anos.

Momento relactivamente morno foi o da Elvira Viegas, no palco Fany Mpfumo, que, pelo seu estilo, o ideal talvez fosse a ter alinhado mais cedo, de modo a manter a energia em alta, numa noite que já estava com a temperatura baixa.

Os pouco consensuais, de volta ao Zena Bacar, Yaba Buluko Boyz com o seu vibe sempre em alta deram start com um grupo de xigubo e bailar obediente a percussão das congas que eram misturadas a música electrónica pelo Dj do projecto. Apresentaram temas novos, registos antigos e puseram a juventude a ensaiar esses passos que andamos aí a ver nos tik toks, instagrams e youtubes da vida.

Seguiu-se a performance de Radjha Aly, músico que explora o folclore de Nampula, essencialmente, na zona costeira, herdeira da tradição arabe do contacto que essa região do país teve no passado. Distribuiu a sua voz e o seu bailado. Já com rodagem em festivais internacionais, o músico mostrou que o tempo sabe lapidar e fazer o público vibrar mesmo sem perceber a língua, mas também, a música não tem idioma, sente-se.

Uma pausa de música para anunciar que Valter Mudanisse tinha ganho os 50 mil meticais. “Valter Modernices mostrou como se vai vestir em Moçambique daqui a 90 anos”, dizia no seu humor o Mestre de Cerimónias David Bamo. Foi igualmente o momento em que Paulo Chibanga, fundador do Azgo, tomou a palavra para dizer “estou feliz pelos 10 anos”. Júlia Langa agradeceu a equipa do festival e aos parceiros. Algumas vozes queixavam-se “isto já vai longo”.

KO, rapper sul-africano com uma carreira iniciada em 2006, como membro dos Teargas, subiu a um palco moçambicano pela primeira vez. “Não sei como eu nunca tinha vindo a Moçambique”, comentou entre as músicas, confessando que “quero voltar ainda este ano”.

Até já tinha o público sob sua condução, mas o dominou por absoluto, quando o seu DJ soltou “SETE”, essa sua colaboração com Young Stunna e Blxckie. Estavam dissipadas as dúvidas, “aquela era a batota do festival”, comentou Rui dos Santos, espectador que esteve ao meu lado.

A vibe e os sonhos das “streets” de Soweto estavam ali traduzidos em faixas como “Emoyeni”. Mas também o seu side love que roçam muito o R&B do qual brotaram temas como “Say U Will” ou “Skhanda Love”.

“Maputo say with me: we want a party”, ordenava e o público no alto das duas da madrugada simplesmente obedecia, tomado pela energia que o
KO transmitia. E com sabor de quero mais, bazou, dando espaço a actuação explosiva de Paige, que conduziu o público ao universo Amapiano.
Hélio Beatz, liderando o projecto The Hood Brooz, composto por uma banda disposta a experimentar o prometido “Pandza do futuro” (título do álbum do Hélio), que afinal é já do presente, no Zena Bacar começou com um freestyle, sequelas do rap.

Seguiu noite adentro com os hits que já legou as pistas de dança e rodas de carros da zona, como o single “Problema do pobre” e faixas do seu álbum, entre eles “Juliana”, “ISCTEM”, “Gasta lá esse 2002” ou mesmo “Essa pita vive longe”.

No domingo os caminhos foram dar ao histórico Campinho da Mafalala para onde foram convidados Tufo da Mafalala, Stewart Sukuma, Bloco Chapa 100, Dub Rui, James Macamo, Junior Boca, Muzi e Helio beatz.

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