Lara Sousa e Naír Noronha agitam as águas da memória sobre o Índico

Está patenta até 2 de Junho ainstalação “Ocianútopia”, no Centro Cultural Moçambicano-Alemão (CCMA), concebida e montada por Lara de Sousa e Naír Noronha, num exercício de revisitação da memória e reinterpretação de arquivos de imagens coloniais sobre os moçambicanos.

A mostra que foi inaugurada a 26 de Abril é multidisciplinar, sendo composta por fotografias – impressas pelas artistas – batique igualmente tingido por ambas, video, areias, feijões, um som permanente de ondas do mar.

O oceano Índico ocupa uma posição central nesta mostra e nas reflexões propostas por Lara e Naír, pois foi através dele que vários povos encontraram-se com o nosso e, gradualmente, ao longo dos séculos, fruto dessas chegadas, foi se moldando as nossas identidades colectivas.  

Nos retratos, não de propósito como esclareceram ambas na sessão de conversa “Assim falaram”, decorrida a 27 de Abril,  a maioria são mulheres. Estão ali projectadas negras e indianas como que a recordar a diversidade que nos constitui.

 Este projecto, que uniu o CCMA ao Centro Cultural Franco-Moçambicano numa parceria, nasce, segundo Lara de Sousa na proposta de candidatura, do navegar nesse oceano, onde a imagem mitológica de uma rainha/mulher/matriarca nunca existiu.

“Num país [como Moçambique] de exaltação de guerreiros, imperadores, revolucionários, a rainha ficou apagada, ou prefiro pensar, submergida no oceano, como um sábio refúgio que deixou a terra e a guerra para os guerreiros”, prossegue.

Lara descreveOcianútopia” como uma quase-ficção resgatando retratos, danças, poesias, vozes, coros, batuques, guardados no Arquivo Histórico de Moçambique para fazer uma ponte entre o que “possivelmente fomos e o que provavelmente seremos”.

É, com efeito, a seu ver, uma oração para acordar a mulher mitológica que habita no oceano, através do resgate, apropriação e subjectivação desses arquivos que dizem tanto de nós, mas onde não estamos, ou habitamos o silêncio da existência.

Com o seu olhar poético sobre o mundo, em parte, assumidamente herdado da sua tia-avó Noêmia de Sousa, Lara e sua prima Naír Noronha integram à mostra “diários etéreos, onde uma impressão artesanal, em ciano, cor primária que constrói o imaginário do oceano, nos guia pela fragilidade da construção de iconografia, ao mesmo tempo que revela a sua profunda potência e urgência”. 

Ao que, ainda a luz do escrito na proposta de apresentação desta exposição, adicionam capas de cor, textura, emoção, subjectividade aos registros iconográficos do que possivelmente fomos, para projectar um outro arquivo futuro. A memória do futuro, onde o passado e o futuro se entrecruzam em (o)cian(o).

Trata-se de uma busca na medida em que ambas artistas se reconhecem fruto de todas as histórias possíveis e imaginárias da sua família que ao longo dos séculos transitou, através do oceano Índico, em direcções diferentes, momentos e contextos distintos do Oriente para África e mais tarde Ocidente.

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