Cantar e contar a história com arte

Na palidez do horizonte futuro a partir do sétimo ano da década 70, para conversar, beber uns copos e cantarolar, uma malta, então jovem, juntava-se as sextas ou sábados, algures na cidade de Maputo.

Nessa espécie de anestesia para a realidade adversa dos anos 80 de um Moçambique infermo por uma guerra violenta, esse grupo desenhava uma paisagem alegre aos acordes de uma guitarrada e umas cervejas na casa de amigos.

Entre os personagens desses episódios desinteressados com qualquer próposito de missão estavam Hortêncio Langa, que compôs um dos poemas mais bonitos sobre a capital, “Maputo”, Joel Libombo que se tornou ministro dos Desporto e Juventude, anos mais tarde. Mais discreto para a cena artística estava António Prista, o Comandante como é chamado no TP50, projecto multidisciplinar que este ano completa 16 anos.

“Não precisava combinar, o único ponto era saber onde é que vai ser, na minha casa, na Manuel Soeiro, Joel Libombo, Siro Pereira, Hortêncio Langa”, recorda, com brilho nos olhos, Tó Prista, como o tratava a malta.

Eram sete ou oito casas, conta, rememora que foi numa época de falta de tudo, de energia, de água. De tal modo que, embora fosse no final do dia, não eram jantares, de própsito ia-se depois de se fazer essas refeições. “Não havia condições”, sublina.

Não deixa de ter graça que desse grupo que mais tarde deu origem, obedecendo, literalmente as linhas tortas que escrevem as nossas vidas, ao TP50, apenas, conta Prista, que me recebeu na varanda da sua casa numa destas tardes, vinte por cento, dos vinte regulares na convivência eram artistas, nomeadamente Raul Calane, Mussá Tembe, a Yola (mãe da Xixel Langa), Arão Litsuri, sem contar com os seus filhos, alguns dos quais mais tarde encontraram na arte a sua forma de ser e estar, como, por exemplo o Miguel Prista e o Texito. A Xixel, ainda pequena já a bailarina, que hoje vemos nos placos.

Dando um salto no tempo, para algumas decádas depois, até porque com a abertura do país para o mercado livre, as pessoas foram se despersando, parámos em 2007, quando Prista completou 50 anos.

“Eu quis homenagear as pessoas que sempre viveram comigo e tracei um roteiro desde a minha infância até aquele momento” contou Prista que, para tal, recorreu a música para tal. “Não tinha nenhuma intenção artistica, era apenas para celebrar a vida”.

Na altura António Prista morava no Brasil e veio de próposito para essa celebração. Pediu ao Hortêncio Langa para escolher os elementos da banda que o acompanharam Prista.

Langa, por sua vez, convidou Timoteo Cuche, Nádia Cosmo, Catarina Rombe, Samito Tembe, Sérgio Mudjidji, António Marmelo, Siro Pereira, Dida, Elsa Mutemba, Joel Libombo, Jorge Vaz, Manuela Sueiro, Roque Jamal e Joni Schwalbach. Estava previsto duas horas de concerto, que acabaram levando 4. E dessa junção entre música e teatro surgiu o prototipo de TP50.

“Quando regressei ao Brasil eles continuaram e deram o nome de TP50 ao projecto”, conta Prista que não concordou que Tô Prista fosse usado para tal, pois ele já não estava e, como já tinha escrito acima, era para ser circunstancial. Mas de nada valeu a sua contestação, o grupo estava mesmo decidido a apresentar-se para um público maior.

Regressado definitivamente ao país, seis meses depois, os músicos o convidaram a liderar a banda que acabou se tornando uma enorme orquestra com mais de 200 integrantes.

As primeiras performances foram com música brasileira, bossa e MPB no essemcial, a explorar o seu sentido poetico. Até porque é o que ouviam “back in the years” nas sentadas.

O impacto foi tal, que se decidiu capitalizar a aceitação fazendo tributos a músicos e escritores moçambicanos como pretexto para, através da sua obra percorrer a história do país como se viu desde a homenagem ao Hortêncio Langa, Calane da Silva, Mia Couto e tantas outras apresentações do grupo.

Actualmente conta quatro álbuns, dois livros e dois songbooks. Além do portal da música, um repositório de músicos nacionais. Anualmente realiza espectáculos temáticos, entre outras actividades.

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