Desta vez não pude fugir!

Cheguei a casa mais cedo do habitual. Ao entrar no quarto, liberto-me das amarras do sutiã, tiro a peruca e desato as sandálias. Inclino-me e puxo, debaixo da cama, a minha bacia de roupas. 

Aqui na Machava-Bedene é impossível se trancar dos vizinhos. Saem e entram do seu quintal. Empurram o portão e fecham. Pedem sal, água gelada e mais tarde um copo de arroz. Nesse vai e vem de gente de todas idades, vejo um homem em direcção a varanda, onde me encontrava a viajar em Niketche, da Paulina Chiziane,  e a divertir-me com as histórias das esposas de Tonny.

Ao aproximar, percebo que é o tio Nhabetse, amigo da família. Sumido há mais de 20 anos, esperava que voltasse com a aparência mais cuidada. “Ti Nhabetse”, como todos o chamavam era o “tio chato”, que questionava sempre sobre escola. 

Muito atencioso, pedia que nos formássemos, eu e as minhas irmãs. Fora as suas barbas, que nos picavam como uma agulha sempre que trocávamos beijinhos, lembro das palavras que se transformaram em canção: “Minhas filhas, alguns homens são maus. Não respondam os psi psi’s dos senhores do carro, nem os assobios na rua. Fujam!”

Grande Ti Nhabetse, agora irreconhecível. Se não fosse pela voz, quem o ia reconhecer? São memórias que me surgem, enquanto preparo um café para lhe oferecer. As ventoinhas estão todas estragadas e dentro de casa há um calor de assar passarinhos e é por essa razão que o tio está sentado na varanda.

Termino de preparar o café e dirijo-me à varanda. Deparo-me com tio Nhabetse e as suas mãos introduzidas nas calças e com o pênis erecto. No ecrã do seu celular há uma foto minha onde me vejo inclinada. Assusto-me. Deixo a bandeija cair. Pelas roupas e penteado, percebo que é uma foto de hoje, agora, há poucos minutos. Não sei como captuou a foto, deve ter sido quando tentava apanhar as moedas que ele próprio deixou cair.

Não questiono. Fingo não ter visto e imediatamente apanho os pedaços da chavena no chão. Levanta-se da cadeira, impede-me de organizar as coisas e puxa-me pela mão direita, enquanto  introduz sua mão esquerda no interior da minha capulana.

Fico em pânico. Nem os gritos consigo libertar. A casa está vazia, a minha mãe viajou a sua terra natal, onde foram enterrados os restos mortais do meu pai. Queria tanto contar ao tio Nhabetse, depois do café, que o seu amigo e irmão já não está entre nós. Pena que…

Aos poucos me arrasta para dentro de casa e com as mãos a deslizar no meu corpo, questiona sobre a mobília e o televisor. Fico calma ao reparar no relógio. São dezassete horas e trinta minutos, a Tânia, minha irmã caçula, chega em dez minutos como tem sido típico. Só ela para me tirar desta situação constrangedora.

A conversa delicada encerra e de repente, com a força correspondente à sua idade e altura, fecha a porta de casa. O desespero me põe a gritar e grito. Grito, mas ninguém pode ouvir. 

É, tio Nhabetse, “alguns homens são maus”, o senhor sempre esteve certo e desta vez não consegui fugir.

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