Nelsa Guambe dá luz as velas de Chicuque em Cape Town

Dos escombros do ciclone Dineo, a artista plástica Nelsa Guambe constrói, através da sua pintura, novas narrativas sob velhas velas enrugadas pelo tempo e sal da baia de Inhambane-Céu, ao largo da costa da cidade da Maxixe.

Percorrendo, numa visita, Chicuque, um vilarejo de pescadores daquela urbe, onde nasceu em 1987, viu barcos destruidos pelo desastre natural e se comoveu com as histórias interrompidas pela destruição das embarcações feitas pela interpérie.

É este projecto que Nelsa Guambe vai apresentar na instalação a inaugurar na sexta-feira, na Cape Town International Convention, África do Sul, no contexto de uma actividade coordenada pela Afriaart, sediada em Kampala, no Uganda.

Nesta instalação que estará em exibição colectiva até domingo, além da moçambicana, estarão, igualmente a quenina April Kamunde e a etíope Kaleab Abate. Sendo que a primeira trabalha com óleo sob tela e a segunda desenvolveu técnicas de impressão em diferentes suportes.

Com efeito, nesta incursão, Nelsa Guambe, uma artista autodidata, prossegue a sua pintura baseada em selfies, rostos de familiares e amigos, que os deforma de próposito a serviço da sua poética.

Ao fundir a sua velha paixão pela fotografia com esta nacessidade de homenagear os pescadores e marinheiros da sua zona de origem, questionou o curador zimbabweano Barnabas Ticha Muvhuti, no artigo que lê-se no portal da Arena for Contemporary African, African-American and Caribbean Art (Africanah.org), se não sobrepunha a homenagem as vítimas do Dineo.

O autor que redigiu no contexo da exibição, no ano passado, deste projecto na 15ª edição do FNB Art Joburg, detalhou a sua preocupação, referindo que ao ver as figuras de Guambe, pintadas com um pigmento preto profundo e inequívoco que lembra o estilo de Kerry James Marshall, “fiquei preocupado que a artista corresse o risco de apagar a narrativa dos marinheiros, impondo a dela através das representações que cria”.

Na altura, Nelsa Guambe o esclareceu, dizendo que “a intenção não é apagar a história dos velejadores. As cicatrizes e as marcas de velhice das velas são visíveis. Você pode ver que as velas têm vida própria. A minha intervenção é uma continuação da história dos marinheiros da minha aldeia. Histórias que de alguma forma foram apagadas pelo Ciclone”.

Neste sentido, pode-se considerar, a luz, por exemplo de um Jacques Ranciere no ensaio “O destino das imagens”, que ela se apropria do material da vida e do quotidiano para dar longividade e perpetuar a memória sobre aqueles episódios traumáticos vividos pelas vitimas do Dineo.

De certa forma, com este projecto, Nelsa Guambe dá uma segunda vida as velas, que poderiam terminar soterradas nas areas da praia e na amnésia colectiva sobre a nova realidade dos riscos de ciclones na costa e outros desastres naturais consequentes das mudanças climáticas, como o que estamos a ver com as chuvas dos últimos dias em Maputo.

 Nelsa Guambe, nascida em 1987 em Chicuque (Moçambique) é uma artista radicada em Maputo onde vive e trabalha em diversas áreas multidisciplinares e colaborações. Em 2017, ela cofundou a DEAL (Design Entertainment Art and Literature).

Nelsa Guambe é uma artista autodidata que começou a fazer arte depois de concluir seus estudos de Bacharelado em Administração Pública e Estudos de Desenvolvimento pela UNISA (Universidade da África do Sul) em 2010. O interesse de Guambe pela fotografia a levou a encontrar uma maneira de combinar sua paixão pela fotografia e pintura em seu trabalho. Nos últimos dois anos, ela pintou retratos a partir de fotos suas, de familiares e amigos.

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