Um encontro na margem sul de Moçambique

No lançamento de “Moçambique, margem sul: Arte, interculturaalidade e outros textos”, sua mais recente obra, Sara Laisse estava tensa.

A autora caminhava pela Biblioteca do Camões, em Maputo, com a mesma firmeza que percorre a história e tradições que retrata no livro. A casa estava cheia.

Com as cadeiras lotadas, boa parte dos presentes aconchegou-se nos fundos do espaço. Carlos Paradona, Nelson Lineu, Léo Cote, Mabjeca Tingana e outras figuras testemunharam o momento sentados sobre mesas, onde, normalmente, os visitantes da biblioteca colocam os livros durante as leituras.

Coube ao músico Chico António dar o pontapé de saída da cerimónia. Temperada pelo dedilhar suave da guitarra que trazia ao colo, a voz de Chico António interpretou melodias de amor e ternura.

Cantou em línguas Bantu da margem sul do Save, região onde Sara encontra inspiração para escrever boa parte das histórias que constam do livro.

O músico levou ao Camões um repertório de músicas novas e inéditas, nas quais fala de diversas circunstâncias da vida, priorizando o amor ao próximo, a beleza, a paz e a fraternidade.

Chico António pescou a atenção dos presentes como quem, após capturar um peixe, leva-o à margem, para, na sequência, devolvê-lo ao rio.

Sob comando do poeta e jornalista Eduardo Quive, quem vestiu a capa de mestre de cerimónias, as atenções voltaram ao “Moçambique, margem sul”.

Na obra, Sara Laisse caminha sob o chão da moçambicanidade, explorando a oralidade, os hábitos e costumes que marcam os quotidianos das culturas da margem sul do globo.

O livro também apresenta aspectos prementes como a beleza, do meio e das pessoas, as relações humanas e as artes.

Na ocasião, Sara Laisse declarou que “Moçambique, margem sul” é um tributo às crianças e foi pensada na ideia de passar testemunhos para às gerações vindouras.

“Pretendo transmitir, ou fomentar o debate, sobre o desconhecimento que temos uns pelos outros”, avançou, detalhar que a obra é, também, desenhada como um espaço de intercâmbio cultural.

“Se temos instrumentos, no livro, que nos fazem ver que, afinal, somos semelhantes culturalmente, podemos, então, debater sobre o conhecimento mútuo e, talvez, ultrapassá-lo”, defende. Apesar de ser um trabalho baseado em relatos e histórias de gentes do sul, a autora explica que “Moçambique, maegem sul” promove o conhecimento de gentes do norte, quanto do sul, entre si, mas, também, das colónias portuguesas.

“É um livro, na verdade, sobre as identidades moçambicanas, que são várias. Envolve viagens e pesquisas sobre identidades, porque não posso falar sobre o outro, sem o conhecer plenamente. Escrevi em função daquilo que os sujeitos das histórias pensam sobre si”, esclarece, a sublinhar que, o maior aprendizado que teve ao elaborar a obraé de que “somos todos iguais”.

Sobre os sujeitos, Sara Laisse declara que é a eles que dedica o livro. “São os meus informantes. Os meus gigantes. São eles que me dão informação. Então, é a eles que devolvo aquilo que me transmitiram.”

Uma autora humanista

A apresentação esteve ao cargo de Cristiano Matsinhe. Para o pesquisador, Sara Laisse é uma autora que não se atém a descrever lugares e experiências, mas levanta problemas e cria novas formas de interpretar e perceber os fenómenos sociais.

“Ler Sara Laisse é reabrir a mente, para através das suas letras, feitas crónicas, percorrer assuntos e temas do quotidiano, que até tomávamos como dados corriqueiros, mas que são, agora, reilustrados com vivo dinamismo”, sublinha.

A simplicidade e objectividade, sem contar com o facto de, na sua escrita, Sara Laisse evitar extremos, são as principais qualidades que o Prf. Doutor Cristiano Langa encontra nas construções presentes em “Moçambique, margem Sul.

“Entre as inovações, está a sua capacidade de domesticar a linguagem do campo cibernético e virtual contemporâneas. Tive uma sensação de imersão no que, na linguagem virtual moderna, chamamos de memes”, descreve, a sintetizar que os recursos linguísticos que Sara Laisse explora fazem emprestam leveza aos textos, o que permite tornar tangíveis os assuntos mais abstratos da convivência humana.

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