Poemas de Jeremias Maxaieie

Textos de Jeremias Maxaieie

lume
vezes há em que as palavras se apagam
e só sabemos pronunciar o beijo

os astros cintilam
sob o céu das pálpebras
dos olhos ausentes

e
a pele despida
de lume se veste

Ubuntu África
os oceanos do mundo
foram feitos das águas da tua placenta rompida
por onde com volúpia navegariam embrionários filhos teus
embriagados do insano desejo urgente
pelos dourados óvulos das profundezas do teu corpo.

dos teus ais elaboras os ventos que movem essas armadas
as secundinas dispersas nos mares
são terra firme em outros lugares.
os outros continentes são ilhas tuas.

Encontro-te na pedra friccionando a faísca do primeiro lume
no rejúbilo do símio inventor da enxada primordial
no folclore do timbila, da mbira e do ancestral xitende
no albino solfejar de Salif Keita e no vozeirar estridente de Oumou Sangaré
nos fios de Jimmy Dludlu e do delírio de Miriam Makeba
nos carapinhos cabelos de Maria singelo amor de Craveirinha
na escrita alma negra sob a mulata pele de Mia
no viril sopro das bochechas inchadas de Chonguiça e Dibango
oh! armas letais da pacificidade de Mondlane, Nkrumah, Cabral e suas gentes
já foste mãe, és agora matriarca de liberdades futuras
disposta a parir outros mundos
caso este te seja novamente defraudado.

Pintura de João Timane
Pintura de João Timane

Ntombi
foi o relevo do teu corpo cafreal
o escantilhão da África no mundo
é do azul dos teus olhos
a pincelada que banhou o Índico.
peitos elaborados em Kilimanjaro
quente Sahara é tua pele ardente

são Zambézia tuas palmeiras carapinhas
Nilo e Congo os teus rios secretos
(onde me banho no estrelado sorriso das noites)
zanzibar os teus braços arquipélago
e timbila o timbre do teu sotaque

de tanto amar-te ntombi
meu viril embondeiro plantei em ti
feito feitiço de tinlholos, não parti

gemidos de xitende, mbira teu sorriso
abraça-me com o verão dos teus braços
e beija-me com sabor de manga

multiverso
adormeceste às vésperas do beijo
no instante do sonho que se adivinhava acordado
sobre o maciço leito de um multiverso latente
cujos astros ainda aguardam por existir

busquei um verso para cobrir-te a anca
na surdina da mística curva noturna
no elíptico abraço do delírio insano

conheces o poema inédito?
aquele que foi escrito sob o luar de ontem?
havia pirilampos nos teus olhos
tépida maresia
das tuas palavras afogadas
sob ventrículos da orelha trincada
o delírio do meigo quebranto
que faz da noite a madrugada

xiquento
xiquento é a comida aquecida no lume da memória
no fogão onde crepita a brasa comunitária
trazida nos trilhos do cafuro vagabundo
é o delírio da lingua apalpada pelo insano sabor esverdeado
do chabalacate quente;

xiquento é o aroma morno de todos os abraços maternais
que dissipam o medo do efêmero frio das cacimbas matinais
e dos sombrios becos dos mundos
ainda por descobrir.

***

Jeremias Maxaieie, nascido na Praia de Xai-xai em 1986, iniciou-se na poesia em 2002 quando aluno na escola comercial de Maputo.
Fez parte de pequenos movimentos literários. É amante do estilo poético moçambicano, da criatividade da geração dos poetas nacionais contemporâneos, da qual faz parte.

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