As outras faces de José Craveirinha

Na obra ‘‘Maria’’, José Craveirinha faz referência a um lugar. Um espaço, sito em Lhanguene, onde sonha viver em paz e harmonia consigo mesmo e sua esposa. O local é identificado no texto ‘‘a nossa casa’’ como Talhão 71.883.

Na esteira das festividades dos 100 anos desde o nascimento do poeta-mor, Phayra Baloi quis celebrar o legado de Craveirinha encontrando aspectos que permitam ler, ver e ouvir Craveirinha fora da poesia, numa tentativa de viajar para o interior do homem do outro lado da pena que tece poemas, a amplificar desejos e pensamentos de toda uma coletividade.

O artista juntou-se a Ivan Muhambe e Kornelio Kassiano, com quem projectou, na Galeria do CCMA, em Maputo, uma sugestão daquilo que seria a casa tão sonhada por Craveirinha. Montaram uma instalação artística e apelidaram-na Talhão 71.883. O trabalho parte de marcas deixadas pelo eu poético e se propõe a reconstruir a pessoa de Craveirinha, o carácter e a visão do homem que caminhava entre o madeira da Mafalala.

E foi dentro dos aposentos do maior poeta moçambicano de todos os tempos que, a convite de Phayra Baloi, a Plataforma Mbenga Artes e Reflexões esteve, ontem, a discutir em torno do tema ‘‘Craveirinha: para além da poesia’’. A conversa teve o jornalista e pesquisador Hélio Nguane como orador e foi moderada por Leonel Matusse Jr.

José Craveirinha, o poeta omnipresente

Para além da poesia, Craveirinha era outros, em um só. No debate – que juntou público maioritariamente jovem – várias vozes ecoaram, a destacar o autodidatismo e a ruptura de padrões como as facetas que fazem de Craveirinha um ser culto e, por isso, referência para a sociedade moçambicana.

Para Hélio Nguane, Craveirinha é uma figura cuja missão principal é de mudar o mundo, partindo da realidade que vivia. No CCMA. Nguane apresentou um estudo que sintetiza a recolha de textos que denunciam pistas que levam a quem é Craveirinha além da poesia.

‘‘Craveirinha é uma pessoa que veio ao mundo e conseguiu revolucionar através da escrita’’, descreve o jornalista, para quem Craveirinha é uma figura igual a si mesma e sobre quem ainda há muito a descobrir. ‘‘Só para termos ideia, Craveirinha foi o primeiro moçambicano a vencer o Camões, o que viemos a conseguir anos depois com Mia Couto e, agora, com Chiziane. Então, o seu legado e a sua escrita são um marco para Moçambique’’

José Craveirinha é um homem multifacetado. Como jornalista desportivo, teve destaque pela prática reiterada de exaltar estrelas negras e de instigar a emancipação da consciência negra dentro do panorama desportivo mundial.
‘‘Pouco se fala sobre jornalistas. Quando as pessoas perguntam sobre referências do jornalismo, temos poucas. Então, resgatar Craveirinha e o seu papel no Jornalismo desportivo é tentar trazer essas referências que nos faltam, como jornalistas’’., afirmou.

Por seu turno, Leonel Matusse Jr define Craveirinha como um ser irrequieto face às injustiças sociais e humilhações a que tanto ele quanto os seus eram submetidos.

‘‘Se pensarmos hoje que quando Craveirinha começou escrever não havia internet, o acesso à televisão e rádio ainda era um privilégio e não obstante ele era um individuo erudito, altamente eloquente e consciente, acima de tudo’’, analisa, a acrescentar que ‘‘estamos numa era em que é necessário aproveitar ao máximo das oportunidades que o nosso tempo oferece’’
Matusse também destaca o papel de Craveirinha como entusiasta dos movimentos artísticos, por pensar a arte como expressão de sentimentos das pessoas.

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