O verbo ser em Cacimbo de Milton Gulli

Escrito por Jaime Munguambe
De repente, o som do instrumento musical imita a voz dos talheres, essas mãos de madeira também imaginárias, estrangulam a suspeita bateria e matam a fome confiante e entusiasmada do ouvinte.
A luz concreta da melodia, o rio de paz correndo pela terra dos sentidos e a construção poética de imagens no Cacimbo de Gulli, este músico tão profundo e peculiar, sonhador, associador da palavra com a vida, com o nosso quotidiano, tão pueril e tão cintilante.
Gulli convertido em cacimbo, poeira, vassoura, chuva, busca a razão para narrar a identidade moçambicana quase descurada na arte nacional, procura a todo custo com a sua voz a deslizar na pele do vento uma força, algum Deus, um lugar de abrigo, um campo de esperança, são temperos de um itinerário colectivo, representado por gente conhecida, batalhadora, com os olhos plantados no solo do futuro, provar esta música pela casca não basta.
É necessária a arte da sensibilidade da alma, para ouvir atentamente o coração da música a bater pelos autofalantes. Quase que se suicidam os desejos de ouvir outra música qualquer, se não esta que mexe as intimidades dos nossos tecidos do universo interior.
Da janela imaginária do subúrbio vejo as cortinas de um quarto também produto da imaginação, testemunham a tão preenchida admiração por esta pedra musical garimpada pelo pensamento puro das terras históricas da vida. Depois do mundo estar na dormência do cansaço, saio pelo mundo fora procurando a tal força incrível para levantar, a qual Milton Gulli procura e os poetas também.

Jaime Munguambe, membro do movimento literário Kuphaluxa, escritor, poeta, biógrafo e ensaísta da nova geração dos escritores moçambicanos, escreve poemas, estórias, biografias e ensaios para artes plásticas e música.

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