Um arco-íris chamado jazz

A guitarra de Jimmy Dludlu se entrelaçou na mistura do sul-africano Dj Kent. “Guitar boogie”, era o título. Estávamos em 2013. Depois veio o “Dia de sol”, outra colaboração dos dois. Já os Liquid Deep tinham apontado o caminho. Chegamos aos Micasa. E também já tínhamos ouvido “We are one” do Black Coffee com a ilustre colaboração do trompetista Hugh Masekela.
Seguindo esse trilho, assumindo a simplificação desta complexidade e com possíveis exageros, chegamos a frescura de algum Amapiano. Esta simbiose de sonoridades, cores, texturas, manipulações do bass, introdução de instrumental (entre outros elementos) folclórica, além da incorporação do jazz.
Esta cultura jazzística contaminou vários imaginários. O Brasil, inventou a Bossa Nova. Fez-se sentir nos subúrbios da actual Maputo, na Mafalala e arredores, nos anos 60 do século XX. Já circulava por esta urbe, entre as elites, desde finais dos anos 1920. Ao longo dos anos iniciativas persistentes mantiveram o ritmo e a cultura que parece ter demorado pegar o interesse da audiência. Não se ignora a questão racial até aos anos 70 a dominar os gostos dos residentes da “cidade cimento”.
António Sopa, no livro “A alegria é uma coisa rara” aponta como o primeiro registo do jazz em Maputo, o anúncio do jornal Lourenço Marques Guardian do dia 05 de fevereiro de 1927, que noticiava um concerto para 01 de Março do mesmo ano no Hotel Polana.
Filha da Magika, Zukuta dos nos anos 30, a Marrabenta, que mais tarde cruzou com outros sons e géneros que circulavam no centro urbano de Maputo não escapou a esta força estética. Nessa altura bandas norte-americanas e sul-africanas dominavam a cena das matinés e boites dos dois lados da urbe que se dividia na actual avenida Marien Ngouabi. E as do país vizinho vieram a Maputo regularmente para espectáculos.
Na audiência desses concertos e depois nos palcos estavam muitas vezes nomes como Young Issufo Jazz Band, Orquestra Djambu e os Conjuntos João Domingos e Harmonia, apontados por Rui Laranjeira, no livro “A marrabenta sua evolução e estilização, 1950-2002” como os pioneiros urbanos da marrabenta. A influência é notável, nalguns casos, através dos próprios nomes destes artistas e conjuntos.
Noutro extremo do globo, nos EUA, nos anos 80 a Tribe Called Quest e De la Soul, grupos de hip hop se deixavam perfumar pelo jazz que por sua vez encontram o seu reflexo em Moçambique em rappers como o Simba.
Várias outras referências se podem fazer pelo mundo fora daquilo que foi contaminado pelo jazz, essa riqueza da humanidade. O que, afinal, não foge a sua origem que com a dor do blues, spiritual, gospel a mistura quis ser inclusão, aceitação do outro. A partir de Harlem nos anos 20 e 30 do século XX foi instrumento da reivindicação pelos direitos civis, dignidade humana do negro e prova da sua capacidade de criar uma cultura tão sofisticada quanta a branca que sempre se propalara superior.
Anos mais tarde, isto é, nos anos 50 e 60, como se vê, por exemplo, na norte-americana Nina Simone ou Jonas Gwangwa e Hugh Masekela na África do Sul subjugada pelo Apartheid, o jazz continuou a ser um instrumento forte para a reivindicação da dignidade dos negros e de África (dois signos associado, se concordamos com Achile Mbembe).
Enfim, este é o arco-íris que abriu porta para outras possibilidades sonoras. Não é por acaso que o jazz está associado a liberdade, cada vez mais ameaçada pelas guerras que tomam o mundo, de Cabo Delgado a Mariupol; extremismos nacionalistas nocivos como os que sustentam as xenofobias na África do Sul e a ascensão do Chega em Portugal, Marine Le Pen na França ou Bolsonaro no Brasil.
Apesar da data ter sido ontem, senti-me intimado a tecer estas palavras de viva a diversidade, a liberdade, a democracia. Viva o jazz.

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