Vamos cantar juntos, amanhã

Da janela de um prédio do bairro central, Kloro Malele acena com a mão esquerda, com o celular junto à orelha, suportado pelo outro membro superior. Com o gesto, o Rapper decepava-nos todas as dúvidas de que estávamos no caminho certo, de acordo com as suas instruções.
Do mesmo local, ainda em linha na chamada telefónica, o Rapper indica-nos a entrada que leva às escadas do edifício e, assim, ao seu encontro. Convidou-nos ao interior da casa e nos ofereceu assentos, onde nos sentamos para conversar a respeito do espectáculo de apresentação do seu segundo álbum a solo, agendado para Sábado próximo (05/03), na Mafalala.
É pela primeira vez que ‘‘Revolução Cultural’’ será exibido em espectáculo, depois de adiamentos forçados pelo aperto das restrições anti pandemia. O CD já está nas ruas desde finais de 2020 e vai ser exibido no palco do Museu Mafalala, sito no bairro com o mesmo, no âmbito do projecto Running From The Urb.
Composto por 12 faixas e várias participações, ‘‘Revolução Cultural’’ sintetiza a predisposição de Kloro em conduzir toda uma sociedade à introspecção, em busca de mudanças para os paradigmas sociais. É uma proposta, em jeito de provocação, produzida com intuito pôr as pessoas refletirem profundamente sobre o agir certo e/ errado, diante dos dilemas do dia-a-dia.
O álbum já está disponível, mas por várias razões, só agora será apresentado. Como é viver este momento?

É nice, porque o pessoal teve tempo para consumir o álbum. Então, vamos cantar juntos. Essa é a cena nice. Todo o artista que está no palco “grama maning” que o people cante as suas músicas. É a expectativa que tenho. Cantemos todos juntos. Ainda que tenhámos criado as músicas, quando ela sai do estúdio e é lançada, já não é do artista. É de todos.
Então, vai ser nice estarmos juntos, principalmente porque acho que as pessoas se identificam com a mensagem. Vamos estar a cantar um com os outros. Tenho expectativa que seja um momento muito bonito.

Kloro Killa
Foto de Mário Cumbana

Como o título sugere [Revolução Cultural] é um disco de mudanças. De que maneiras a referida revolução cultural que se pretende neste disco se manifesta?

Acho que é simples perceber. Pelo conceito, em si, podemos partir da definição de revolução e, de seguida, procurarmos o que significa cultura. É isso que se propõe.
Vendo cultura como todos os hábitos e comportamentos nas diversas áreas da sociedade, e a julgar pelo momento em que vivemos agora, penso que há necessidade de o ser humano refletir sobre em que condições gostaria de viver e o que seria necessário para esta mudança cultural, em todas as áreas.
Muitas vezes, quando discutimos, dá para ver que temos a reclamações de todas as áreas (seja música, deporto, política e outras), cada um sempre puxa para o seu lado, mas acho que a raiz de todos os problemas se calhar é a mesma.

Acho que devíamos todos nós juntar e refletir sobre o que realmente tem que ser feito para haver uma mudança real.
Por quê a Mafalala?

No contexto do projecto Running From The Urb, uma plataforma para desenvolver artistas, patrimónios, espaços culturais, projectos, subúrbios e também convidar o pessoal da cidade para a urbe, a contribuir para o desenvolvimento da periferia.
Este projecto começou com a junção da Creative Limes [uma produtora audiovisual] ao Museu Mafalala e ao EBS. O pontapé de saída foi o lançamento do álbum “Revolução Cultural”, mas este é um projecto que não é só para a Mafalala. Todos os bairros periféricos serão abrangidos, em várias actividades. Esta é só uma actividade.
Pode-se dizer que a Mafala é o epicentro, porque é onde está a começar, mas não é o único sítio onde estaremos. A Mafalala tem características especiais. Foi o primeiro bairro periférico, quando começou-se a construir a cidade, e dali também que começou a concentração para a luta de libertação de Moçambique. E depois vem toda essa história dos Eusébio, Noémia de Sousa, todo este património histórico.
Faz sentido ser lá o início do projecto Running From The Urb.
A ideia da revolução também está presente em “Xigumandzene” [Seu primeiro álbum]. Há lá algumas faixas que convidam a esta mudança. Aliás, uma vez Kloro disse ao Mbenga que esta é uma característica que vem cultivando desde os tempos mais idos…
Sou grato por ter integrado o movimento humanista, criado por um pensador e filósofo argentino, chamado Mário Rodrigues Cilo.
Inspirei-me nas ideias da necessidade da mudança profunda no ser humano, para que possamos viver num mundo melhor. O propósito parte do novo humanismo e manifestou-se um pouco no Xigumandzene e, agora, no Revolução Cultural.
É verdade que estes álbuns têm grandes diferenças, porque o Xigumandzene é mais de partilha de minhas histórias e experiências privadas. Estou a contar minhas histórias, a partir da minha perspectiva pessoal (do Danilo Malele). Agora, no Revolução Cultural, é mais numa perspectiva social. Esta é a grande diferença no dois álbuns. Um é pessoal e outro social.
Têm alguns aspectos comuns, como “Música da Sociedade”, e um em pouco em todas as músicas tem um Q de mudança e motivação, mas a diferença é que no primeiro tive que contar histórias pessoais para expressar isso e outro já é mais social. Música de intervenção pessoal.
Performance no Museu Mafalala

No álbum versado na perspectiva social, Kloro tenta chamar a atenção às pessoas que a solução aos dilemas sociais está mesmo com a sociedade. Qual é essa solução?
Na verdade, todos nós sabemos o que temos que fazer, só não nos damos tempo para isso. Eu diria que é a meditação.
No fundo, se cada um de nós refletir, se preocupar mais com os outros e com o mundo, vamos saber o que temos que fazer para mudar. Para termos mais compaixão e estarmos mais dispostos a fazer as coisas pelos outros.
Estamos num mundo cada vez mais egoísta, onde só pensamos em nós e como podemos ganhar. E isso é o que nos torna tensos e abre caminho para a depressão, porque quanto mais enches o teu ego, a probabilidade de criar problemas é maior.
Então, é só meditar, refletir e fazer o necessário. O problema é que não estamos dispostos ao sacrifício para mudar, mas no fundo todo o ser humano tem a consciência e sabedoria de fazer mais. Porque a sabedoria está no fundo da nossa consciência, como o verdadeiro está no fundo do nosso coração. Citando o próprio Cilo.
O Revolução Cultural fez surgir dois blocos antagónicos. Um defendia que a proposta de revolução foi bem conseguida, mas a outra mostrava-se contrária a esta colocação, pois esperava mais de africanicidade e sonoridades tipicamente moçambicanas. Como é que se posicionou face a esta situação?
Isso é interessante. Não me chegou esta informação, por isso não nego que isto tenha existido. Mas, antes de ser moçambicano, sou um cidadão do mundo e sou um ser humano. Então, me identifico com a minha casa, mas também com o mundo.
Eu me identifico com as características culturais da África e acho que estão manifestas no álbum. Agora, se queriam que estivessem manifestas em termos sonóricos, essa é outra discussão. O que é um som original?

Uma coisa é tradição e a outra é cultura. Nós temos tendência a confundir estes conceitos. Posso não me identificar com a minha tradição (ou com alguns aspectos positivos), mas me identificar com minha cultura. E vice-versa.
https://www.youtube.com/watch?v=MiwAI8MP-58
A questão é, o que é nossa cultura? É nossa tradição ou o que estamos a fazer agora?

Cultura é o que somos, tradição é o que os outras eram. A expectativa era que o álbum tivesse sons mais tradicionais, mais com características de Marrabenta. Entretanto, para fazer isso, tens que saber fazer. Não se faz só porque se quer. Eu não tenho capacidade de fazer essa cena. Não posso fazer o quê não sei.
Agora, posso tentar fazer um máximo, sem esquecer que não posso fazer uma cena que não sinto. Mas acho que tem um pouco.
Quando ouvem cultura estão a imaginar ouvir Marrabenta, mas eu não estou a falar disso. Temos que entender o que é Cultura. É comportamento, é tudo, e está em constante transformação. Posso estar a propor o que quero que seja cultura no futuro e não o que deve continuar.
É um debate interessante, que não deve ser fechado. A cultura pode fazer parte da cultura, mas a cultura não pode fazer parte da tradição. Cultura é dinâmica, não devemos ser o que os outros foram, nem elas o que há 100 anos atrás deles eram. Não é possível isso. Isso não existe, em termos lógicos. Somos uma mistura de muitas coisas, ninguém é original no mundo.
Podes ter características específicas num dado momento histórico. Como hoje, estamos a criar uma cena que daqui a algum tempo será tradição. Para mim, a cena é pegar o melhor que existe do antigo e deixar o que não nos identifica.
O que me identifica tem no álbum, só que as pessoas [algumas] não conseguem perceber. Mas a influência cultural, língua, valores tem lá, só que não vês com roupa, mas espiritualmente.
A revolução ali é a mensagem e não o som. Outra coisa, é que o álbum, em sim, não é uma revolução cultural, mas uma proposta. Uma provocação para a malta ter essa conversa.
Kloro
Fotografia Júlio Marcos

Sobre as participações. Vemos, neste segundo álbum, um Roberto Chitsondzo, Assa Matusse e Djimeta, que são artistas de diferentes estilos e épocas. Que mensagem está a transmitir com este aspecto?

É nice. Para mim, a música é que chama o artista, e não o contrário. Há uma tendência de chamarmos o artista porque um artista “Tá bater”. Isso também não está mau. É um objetivo. Se eu quero número, é fácil chamar alguém que me vai dar números, mas a minha forma de criar é diferente.
A música é que pede. Eu vejo que, aqui, a melhor pessoa que pode fazer isto, é aquele. Para mim, a música é que deve ser o primeiro dos números, por causa da essência. É como quando fazes uma equipa, vais pondo os jogadores certos, que te vão dar resultado, de acordo com as respectivas posições. Não necessariamente os mais famosos.
Desde criança, sempre gostei da música dos Gorhowane “Tlhanga”. Sempre tive o sonho de Remixar aquela música. Acho que agora foi o momento certo. É neste contexto que surge o Chitsondzo.
Com a Assa Matusse, estávamos a precisar de uma voz para fazer uns “Backvoucors”, com características especiais e vimos que só ela podia fazer como está feito.
Djimeta, porque aquilo é um Trap e o gajo tem uma sensibilidade de criação. Faz uns Backvoucors que só ele sabe fazer. Gosto, também, porque ele canta com o coração. Por isso que as músicas com o coração.
Depois temos o Teknik, Maning criativo. Tem uma versatilidade incrível. Ele é que escreveu o coro do “Inguissa”, “Revolução Cultural”, “Show na Maife”. Epah. Tek é Tek.
Acho que uma das melhores participações do álbum é Simon, porque encaixou bem ali no início. Queríamos aquela voz específica.
Dói uma experiência fantástica. É sempre bom trabalhar com putos [mais jovens], porque dão mais frescura.
Também tem uma música com Regina, que faz Backvoucors, escrita por Damana, angolano e grande amigo nosso. Tivemos experiência com o canto coral gospel TCHATCHOS, sempre quis fazer algo assim, do género. Mais Ubaka, com aquele detalhe próprio dele. Também fez uma cena nice.

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