Núcleo D’Arte: Mudaulane quer devolver a arte aos bairros periféricos de Maputo

Chegamos ao Núcleo D’Arte, pouco depois das 13.00 horas, estava uma tarde ensolarada. Por fora, esta catedral das artes visuais exibia um ambiente calmo, ao ritmo da brisa suave distribuída pelas frondosas árvores ao seu redor, como também o mar a espreitar pela paisagem.
Logo a entrada, um panfleto da campanha de Celestino Mudaulana nos recebe. Nele estão estampados uma fotografia meio-corpo, a ideologia e as diretrizes que o convenceram aos artistas que votaram nele para Presidente do Núcleo D’Arte.
O verde carregado, em letras garrafais, no canto superior direito do papel afixado à fita-cola junto à entrada do edifício, lemos: ‘‘Dinamizar, rentabilizar e internacionalizar’’. São palavras que não rimam apenas pelo som da terminação. Têm também em comum o facto de descreverem, resumidamente, os objectivos do novo timoneiro da maior organização artística multidisciplinar do país.
No interior da galeria, reencontramo-nos com algumas das exposições a que visitamos durante 2021. A escultura de Pekiwa, buscadas na Ilha de Moçambique, para conceber a exposição Ntumbuluko, e os rostos de Matheus Sitole, da mostra Cores e Emoções que estiveram patentes na Fundação Leite Couto. Ambos trabalhos dividem o espaço com várias outras pinturas, esculturas e obras de cerâmica, dispersas pela galeria, na exposição permanente do Núcleo D’Arte.
Anunciamos a nossa presença. Enquanto aguardamos pela recepção, demos uma ronda pela espaçosa sala, repleta de obras. ‘‘Pode vir’’, permite o novo o presidente, a cortar o silêncio do corredor que leva ao seu gabinete, no momento que contemplávamos uma tela de Quehá.

Devemos ir às comunidades
Tomou posse há poucas semanas, depois de vencer o escrutínio eleitoral em dezembro último. Recebeu-nos em seu gabinete, sito nas instalações da organização que dirige, em Maputo, em meio à azáfama laboral, para connosco partilhar os pontos focais que orientam o seu primeiro mandato em frente do Núcleo D’Arte.
Aproximar as artes d0s bairros dos seus fazedores, nas periferias de Maputo, afirma Celestino Mudaulane ser um dos seus propósitos. A ideia é dar visibilidade aos artistas onde nasceram e cresceram, assim como onde residem, através da criação de espaços de intercâmbio cultural e de exposições a partir dos bairros fora das zonas cimento.
“Se nós, realmente, queremos desenvolver as artes, devemos ir à comunidade, porque é lá onde vivem o futuro artista, comprador e colecionador de obras”, avança Mudaulane.
Para os artistas sobreviverem, prossegue, há que expor os seus trabalhos também em espaços alternativos, fora do Núcleo D’Arte, centro da cidade, pois não estamos parados, a espera que o potencial comprador venha de fora para adquiri-los, “queremos que as obras cheguem aos nacionais para que as possam compra”.
Mudaulane quer, desta forma, fertilizar o terreno para o surgimento de um mercado de artes a nível interno, despertando o interesse social pela compreensão, o gosto valorização e consequente consumo dos produtos artísticos.
Há poucos compradores, reconhece. A falta destes e colecionadores no país é uma pedra no sapato neste processo, pelo que Mudaulane avança possíveis soluções. “Vamos tentar vender para instituições nacionais, que são muitas”, promete. Ao invés de “ficarmos à espera do estrangeiro”, como foi durante vários anos, fenómeno agora comprometido com a limitada mobilidade global.
Outra ideia levantada pelo artista plástico é o estreitamento de laços com o sector do turismo. Mudaulane vê com bons olhos as novas construções ao longo da cidade e quer criar condições para que os proprietários comprem arte para decorar os interiores.

Faixada do Núcleo de Arte.
Fotografia de Júlio Marcos


É preciso desafiar o artista

Celestino Mudaulane é artista e membro do Núcleo D’Arte há mais de 20 anos com exposições fora e dentro do país. Igualmente acompanha os trabalhos de outros artistas.
“Há jovens que precisam melhorar a qualidade dos seus trabalhos, pois a arte não se limita a pegar no pincel, começa a pinar, depois dizer que é artista”, observa. A arte é um percurso, prossegue.
Ser artista, diz o presidente do Núcleo, é um exercício exigente, que precisa de muita paciência e conhecimento. É preciso recordar aos mais velhos e ensinar aos mais novos que a elaboração das obras de arte é um processo muito longo.
A geração de receitas financeiras é, claro, um dos focos de Mudaulane. Chegou e já faz notar a sua vontade de tirar os artistas da indigência.
“O artista tem que deixar de ser mendigo, como alguém que está sempre a pedir. Decidi candidatar-me ao Núcleo D’Arte porque, primeiro, sou um artista que quer profissionalizar esta casa e o artista”, disse.
O desejo passa por produzir obras de qualidade, de forma a devolver o bom nome da instituição para profissionalizar, é preciso rentabilizar casa, defende.

Celestino Mudaulane. Fotografia de Júlio Marcos.

Reestruturação interna
Durante a entrevista, Mudaulane levou-nos aos anexos do Núcleo D’Arte, para mostrar o estado das oficinas e do acervo. São espaços improvisados nos fundos do restaurante do Núcleo, onde os artistas juntam-se para fazer aquilo que mais sabem, produzir suas obras.
É nossa intenção alterar aquele aspecto, assegura, porque achamos que não é digno para o artista estar a trabalhar, diariamente. “Se quisermos dignificar, devemos, primeiro, melhorar as condições de trabalho”.
Nos compartimentos onde as obras estão depositadas, a situação encontrada é não das melhoras. As obras se apresentam vulneráveis à humidade e as acções do ambiente, bem como a deterioração por sobreposição umas às outras. Há, também, algumas esculturas de madeira aos pedaços e já sem o brilho que lhes é característico.
Diante da situação, Mudaulane já tem em manga um conjunto de actividades para a reforma dos espaços. “Teremos, aqui na casa, um espaço para a conservar as obras do acervo e aquelas que estão aqui em consignação, para que tenhamos a certeza de que elas vão durar”.
A maior parte das obras do Núcleo, prossegue, estão estragadas. Com o tempo, pegaram humidade e as telas apodreceram. Aquilo é uma tristeza, lamentou.
A união faz a força
Mudaulane acredita ser possível encontrar soluções para as dificuldades que abraçam o sector das artes nacionais através de esforços multissectoriais. Para o novo presidente do Núcleo D’Arte é necessário que se mobilize energias tanto pelo Governo, fazedores, empresas e o público para o resgate do bom nome dos artistas, bem como a imagem do Núcleo, em todo o país.
Assim, entende que há necessidade de se promover o intercâmbio de artistas nacionais, para que os mesmos se associem e a ideia de unidade se possa materializar através das artes. É preciso que façamos isso, para que Maputo não seja vista como uma ilha, o que não é bom para o desenvolvimento integral do país, finalizou.

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