ROKOTXI: das receitas da avó ao Segundo álbum de Deltino Guerreiro

Aos seis anos de idade, Deltino Guerreiro fora acometido por fortes dores de cabeça. Na altura, ainda a residir em Montepuez, Cabo-Delgado, sua terra natal, Guerreiro estava sob os cuidados da avó, campesina que encontrou na medicina tradicional a solução ao problema.
Da enfermidade Deltino não se desfaz das memórias. E tal não acontece apenas devido à gravidade, mas antes pelo facto de ter sido por conta do mal-estar que conheceu os poderes curativos do “ROKOTXI” – nome Emakwa de uma planta abundante no norte do país – recurso com que a avó preparou uma loção que espantou o incômodo.
‘‘Essa imagem não me sai da cabeça. Ela pegava as folhas e aquecia junto à lenha, depois fazia massagem em volta da minha cabeça. Uma ou duas horas depois já estava tudo bem’’, recorda o músico.
Desse episódio nascia uma forte ligação entre Deltino e o “ROKOTXI”, o símbolo de um estilo de vida. A medida em que foi crescendo, Deltino acumulava conhecimentos sobre os benefícios que o uso da planta oferece à saúde humana, de onde apurou que o fim último do “ROKOTXI” é a cura. Cura não só das doenças da carne, mas também as da alma e as de toda uma sociedade.
Já sem as dores de cabeça, a voz afinada, pouco mais de décadas depois, a relação com o “ROKOTXI” volta a dar um passo significativo. Após longos anos a conservar lembranças do episódio ocorrido na infância, mas também movido pela contínua e espontânea necessidade de fugir às negatividades que têm abraçado o mundo, o músico concebeu o seu segundo álbum centrado no elemento tradicional que, na sua opinião, representa a cura, o amor, a nostalgia, mas também a força e resiliência, visto que o ROKOTXI é sobejamente conhecido por sobreviver a situações severas.
Lançado em CD, “ROKOTXI” é o antidoto das patologias sociais. Ou seja, é um trabalho com o qual Deltino Guerreiro partilha a luz no fundo do túnel da penumbra criada pelos inúmeros desafios actuais da vida em comunidade e, em particular, vem desatar os nós de estrangulamento presentes no panorama artístico cultural nos tempos que correm.
‘‘’ROKOTXI’ é essa lembrança de que a nossa cultura é forte. Há décadas que ela está a ser martelada, mas como o ROKOTXI ela um dia vai voltar com o mesmo brilho’’, metaforiza o artista.
Há no álbum diversas componentes que remetem a complementaridade entre cultura e arte. A olhar para a cultura como todo o leque de traços que configuram a identidade de um povo e a arte as ferramentas usadas para conservar, partilhar e eternizar tais aspectos, pode-se extrair em “ROKOTXI” o propósito de oferecer uma saída aos problemas sociais, através da busca pelo amor-próprio e a mútua ajuda.
‘‘Há um vírus instalado na mente das pessoas de que mesmo quando não são cobradas por algum favor, as pessoas tendem a pagar valores como forma de agradecimento’’, remata Deltino, sem esconder o desapontamento.
Embora não contenha, na sua produção, a pureza dos cuidados da avó, o ROKOTXI (CD) conta com a colaboração de vozes interventivas da música jovem moçambicana, também engajadas aos movimentos de busca pelos aspectos que formam a moçambicanidade.
O trabalho – que foi apresentado na Fundação Fernando Leite Couto – é constituído por sete faixas, os préstimos da cantora, compositora e intérprete moçambicana, Assa Matusse, e o rapper e activista social, Azagaia.

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