Paulina traz terceiro Camões para Moçambique

Paulina Chiziane, com a distinção anunciada ontem, é a terceira moçambicana a receber o Prémio Camões, em 33 anos, depois das distinções de José Craveirinha em 1991 e Mia Couto em 2013.

O corpo jurado foi composto pelos professores universitários Teresa Manjate (Moçambique), Ana Martinho e Carlos Mendes de Sousa (Portugal), pelo escritor e investigador Jorge Alves de Lima e pelo professor universitário Raul César Fernandes (Brasil) e pelo escritor Tony Tcheka (Guiné-Bissau).

O presidente moçambicano, Filipe Nyusi, felicitou ainda ontem a escritora Paulina Chiziane pela conquista do Prémio Camões 2021 que diz reconhecer a mestria da sua escrita. “É um merecido reconhecimento à obra desta escritora que com grande mestria tem sabido retratar o país”, escreveu Nyusi numa mensagem publicada na rede Facebook.

Que este prémio atribuído por unanimidade pelo júri, acrescenta o Presidente moçambicano, nos inspire a todos nós em tudo o que fazemos a dar o nosso melhor, sobretudo às novas gerações de autores.

A escolha da escritora moçambicana foi feita por unanimidade pelo júri do Prémio Camões 2021, anunciou ontem a ministra portuguesa da Cultura, Graça Fonseca.

A decisão destaca a “vasta produção e receção crítica, bem como o reconhecimento académico e institucional” da obra, segundo nota que anunciou a distinção.

Em declarações a Lusa, a autora disse que o prémio serve para valorizar o papel das mulheres numa altura em que o seu trabalho ainda é subvalorizado. “Afinal a mulher tem uma alma grande e tem uma grande mensagem para dar ao mundo. Este prémio serve para despertar as mulheres e fazê-las sentir o poder que têm por dentro”, referiu.

Reagindo, a poeta Hirondina Joshua disse que “eu estou muito contente por ela ser, mulher, que não é fácil em nenhuma parte do mundo” e acrescentou “Moçambique está a ficar grande na literatura”.

Atualmente com 66 anos, e nascida em Manjacaze, Paulina Chiziane cresceu nos subúrbios da cidade de Maputo, na época colonial.

Na juventude militou no partido político Frelimo, mas acabaria por se desvincular em desacordo com uma série de posições adotadas pelo partido no pós-independência, deixando assim a atividade partidária activa para dedicar-se mais exclusivamente à escrita.

Quando publicou “Balada de Amor ao Vento”, em 1990, seu primeiro livro, Paulina Chiziane tornou-se a primeira mulher com um romance publicado no país. Desde aí foi-lhe atribuído o título de primeira romancista de Moçambique, ainda que a autora preferisse não ser tratada como romancista — antes de Balada de Amor ao Vento, aliás, já se dedicara aos contos, publicados em jornais e revistas nacionais, que foi o primeiro género literário que explorou.

Seguiram-se Ventos do Apocalipse (1993), O Sétimo Juramento (2000) e a que foi mais traduzida e lida, o romance feminista Niketche: Uma História de Poligamia (2003).

Embora seja conhecida popularmente como a “primeira romancista de Moçambique”, Paulina Chiziane insiste reiteradamente que não só não é apenas uma romancista como não o é predominantemente, já que os seus livros — efetivamente, romances — incorporam outros géneros literários (como o conto) e nem sempre obedecem a uma estrutura clássica de género.

Tendo publicado consistentemente até há poucos anos — decidiu parar em 2016 —, Paulina Chiziane foi agraciada em 2014 pelo Estado português com o grau de Grande Oficial da Ordem Infante D. Henrique.

A sua obra, como referido pelo júri do Prémio Camões, evidencia um olhar pormenorizado sobre os problemas da mulher africana e da mulher moçambicana, mas não apenas: toda a cultura, os hábitos e o passado do continente e do país são vistos e pensados criticamente.

Traumas históricos como a guerra civil moçambicana, o colonialismo e o racismo, práticas culturais como o curandeirismo e o sistema poligâmico e o tratamento dado à mulher em Moçambique e em África acabam por infiltrar-se tematicamente nos seus livros, como se lembrava aliás numa entrevista dada pela escritora em 2014, publicada na plataforma online Buala.

Já o Prémio Camões foi, na sua génese, instituído em 1988 por Portugal e pelo Brasil com o objetivo de distinguir um autor “cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum”.

Entre os vencedores das 32 edições anteriores do prémio estão, entre outros, autores como Miguel Torga (1989), Vergílio Ferreira (1992), Jorge Amado (1994), José Saramago (1995), Eduardo Lourenço (1996), Pepetela (1997), Sophia de Mello Breyner Andresen (1999), Rubem Fonseca (2003), Agustina Bessa-Luís (2004), António Lobo Antunes (2007) e Raduan Nassar (2016). Os vencedores mais recentes foram Vítor Aguiar e Silva (2020), Chico Buarque (2019), Germano Almeida (2018) e Manuel Alegre (2017).

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