Corpo(r)acção sai do guetto para o centro da cidade

Fotografias de Júlio Marcos

Da fusão entre os Xingufos (bolas artesanais feitas de plásticos, farrapos, cordas) de Amarildo Rungo e as fotografias de Ildefonso Colaço nasce a instalação “Corpo(r)acção”. O trabalho é fruto do casamento de duas disciplinas artísticas que se distinguem na forma e movimento.

Partilham o mesmo espaço a fotografia (estática) e a arte performativa (animada), sugerindo a ideia do corpo em acção, onde os Xingufos (intimamente ligados à infância nas periferias moçambicanas) assumem o papel de obstáculos que inviabilizam a chegada do público às fotografias, o que obriga os visitantes a operar movimentos corporais em direcção aos retratos.

São Xingufos de diversos tamanhos e cores, feitos e ligados por linhas de pano, numa espécie de constelação atravessada por inúmeros labirintos que levam às fotografias, nas quais Ildefonso Colaço capta Amarildo Rungo durante uma performance corporal entre as rochas magmáticas da praia dos Amores, na Katembe, tentando imitar as manobras a que as pessoas que visitam a exposição estão sujeitas.

Ora patente na Galeria da Associação Cultural Muenda – Muend’art, sita na Mafalala, a exposição Corpo(r)acção pode ser visitada, presencialmente, no Centro Cultural Moçambicano-Alemão (CCMA), desde 24 deste mês, até ao dia 15 de Outubro.

Do Guetto para o centro da cidade, a instalação passou por pequenas transformações. Se, numa primeira fase, tinha a areia em toda a extensão do seu piso, para propor uma viagem à infância, altura em que os meninos, na falta de uma bola convencional, jogam ao Xingufo, de pés descalços, pelas ruas dos bairros suburbanos. Nesta “versão”, os artistas optam pela esteira, por ser neste objecto tradicional que o corpo repousa, depois de ter estado em acção.

“O Xingufo, aqui, está como um impedimento e não, necessariamente, como um objecto de futebol. Enquanto a pessoa vai atrás da fotografia, encontra-se com a bola e as linhas, das quais tem que se esquivar”, explicou.

A ligação entre Amarildo Rungo e os Xingufos é forte. Já tinha levado à Casa da Cultura no ano passado, para a exposição colectiva, intitulada “O mundo das cores”. O artista conta que este material corresponde a um traço da identidade moçambicana.

“O Xingufo é um objecto para momentos alegres. Em alguns apontamentos, eu fui perceber que o Xingufo é muito antigo. Por exemplo, na minha tese, eu menciono o Eusébio como alguém que teve os seus primeiros contactos com o futebol através do Xingufo”, explicou, acrescentando que a ideia de juntar o Xingufo à fotografia (o corpo e a acção) surge como forma de unir as suas qualidades e as do fotógrafo Ildefonso Colaço.

Estávamos a disparar no escuro

Ildefonso Colaço é um artista feliz. Com a abertura da instalação “Corpo(r)acção”, no CCMA, participa, actual e simultaneamente, de três exposições.

Sendo, a primeira, fruto do terceiro lugar ocupado no concurso “A viagem do plástico”, organizado pela Associação Kulungwana, na segunda edição do Festival Gala Gala, e outra “PORTA”, uma internacional alojada em Kyoto, Japão.

Ildefonso Colaço descreve o momento como o retorno dos esforços que têm vindo a levar a cabo nos últimos tempos. “É muito satisfatório, para mim, e motiva-me bastante. É o reconhecimento do meu trabalho, como artista, pois nada é repentino”, rematou.

Ildefonso foi quem teve a ideia do projecto “Corpo(r)acção” e conta que conceber a exposição foi um processo marcado por inúmeros desafios. “A maior dificuldade é o facto de serem duas artes completamente distintas”. “Estávamos a disparar no escuro”, prosseguiu, “e o Amarildo concordou com a ideia e avançamos com tudo o que tínhamos a nosso favor”. A mudança para a cidade significa uma victória, assume.

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