Ainda é difícil ser mulher no cinema moçambicano e brasileiro

Com o desejo de demolir as barreiras que inviabilizam o empoderamento feminino na sétima arte, as cineastas Gigliola Zacara (Moz), Ceci Alves (Br), Alice Emerson (Br), partilharam as peripécias que marcam as suas trajetórias artísticas na terceira sessão de conversas do Kugoma – Fórum de Cinema de Moçambique.

Sob moderação de Cíntia Bertini (Br) a conversa teve como mote “Cinema – Olhares e Ambiguidades”, cujo foco era traçar as linhas que unem o contexto moçambicano e ao brasileiro (e vice-versa), no que a prática do cinema diz respeito.

Gigliola Zacara, bailarina, coreógrafa e realizadora moçambicana, defendeu, ao tomar a palavra, a autonomia como imprescindível no perfil do artista, independentemente da sua área de actuação, proveniência ou condição social.

 Zacara, que depois de participar em filmes como actriz e recentemente vestiu a farda de realizadora, fundamenta que o artista deve ser capaz de, através das suas obras, se impor aos ditames consagrados pela sociedade, por formas a ganhar independência e se expressar com isenção.

A actriz descreve que em Moçambique, por exemplo, muitas vezes o artista é engolido pelas incompreensões da sociedade e acaba por desistir da sua veia criativa, por conta da falta de apoio e incentivo sobretudo por parte das pessoas mais próximas. “Eu acreditei que era capaz de viver de arte”, revelou.

Além de partilhar o gosto pelo ofício, as cineastas guardam um histórico de experiências negativas vividas no sector por conta da questão do género, proveniência e, também, orientação sexual. Tais aspectos, quando conjugados aos descréditos e estigmas sociais, formam o ponto de intersecção dos desafios da prática do cinema nos dois países lusófonos (Moçambique e Brasil).

Um outro ponto para o qual as opiniões convergiram foi o papel da escola como um lugar que deve enaltecer a criatividade dos indivíduos, ainda em tenra idade.

Alice Emerson – que antes que chegar ao cinema passou pela pedagogia e pelo comércio – disse, durante o evento, que a sociedade brasileira também tem dificuldades em entender a veia artística que os artistas carregam, o que pode representar grandes dificuldades no processo de concepção dos seus trabalhos.

Uma realidade paradoxal, na visão de Alice Emerson, na medida em que a acredita que o “cinema tem o poder de elevar estratos sociais, pois é feitos das nossas vivências quotidianas”. Depois de vários anos a praticar arte de rua e, de seguida, de palco, a ela encontrou no cinema o terreno fértil para lançar as sementes da sua imaginação.

 A cineasta lamenta que as diferenças raciais, de género e de proveniência continuem a se fazer no cinema brasileiro, mas recomenda o “uso da inteligência, de uma forma liberta e criativa”, como forma de contornar os obstáculos na carreira do artista.

Já Ceci Alves – que é curadora, professora universitária e cineasta – observa as ambiguidades da prática da arte, no geral, como situações lamentáveis e, por vezes, tristes, mas necessárias pois, prossegue, a arte é revolucionária e vem, sempre, para operar mudanças ao status quo.

A artista multifacetada revelou que por ser negra e nordestina (região do Brasil desfavorecida), o mundo do cinema fechou-lhe às portas. Entretanto, graças a sua força de vontade e persistência, abriu-as para si e para as minorias excluídas, grupos para aos quais procura dar voz através da sua arte.

Ceci Alves acredita que as plataformas de streaming sejam a solução para incrementar a presença dos estratos sociais de pouca expressão no mundo do cinema, uma vez que “ajudam nas questões de inclusão do género, que ainda é uma questão política”.

Num olhar sobre o contexto da produção cinematográfica brasileira, Ceci Alves mostrou-se preocupada com o facto de a mulher não ter, ainda, espaço na realização.

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