Quem matou Dulce em Paris?

Há factos históricos e atitudes diplomáticas complicadas de perceber. A morte do membro do ANC, Dulce September, uma mulher sul-africana de 52 anos, é um desses acontecimentos. Estamos na França, em 1988, palco da revolução que conquistou e universalizou as liberdades e princípios como fraternidade, igualdade. E a mulher que lutava pelas mesmas causas é alvejada.

Num país do primeiro mundo, onde a investigação é minuciosa e os instrumentos forenses são sofisticados, a equipe de investigação quatro anos depois do assassinato silencia o caso, como quem coloca o silenciador na arma para que ela não cause estrondo. Os investigadores do caso foram superficiais e afoitos em encerrá-lo, nem se deram ao trabalho de escutar as testemunhas. Será preguiça ou questões diplomáticas? Deixo ao benefício da dúvida.

Com o fim do Apartheid, a investigação é retomada pela Comissão de Verdade e Reconciliação, que não obteve resultados palpáveis, sendo que as verdades sobre o assunto nunca chegaram a público. Mas não são só as verdades sobre as causas da morte de Dulce que são pouco claras. E a sua história também. O seu percurso é pouco mencionado, não obstante, na perspectiva do documentário, heroína. O que resulta numa história dominada por homens.

A história, porém, pode ser transformada. “Murder in Paris”, documentário dirigido pelo sul-africano Enver Samuel, quer mudar o rumo dos acontecimentos, remexer em feridas adormecidas, destapar a areia debaixo do tapete e incomodar correntes que fecharam a cortina da vida de Dulce.

No início da pelicula vemos raras imagens de arquivo, vemos preto e escutamos cinco tiros, reconstituindo os que foram dados pela arma calibre 22 em Paris.

O realizador foi meticuloso na escolha das fontes, trouxe pessoas que conviveram de perto com Dulce, desde a família e amigos, até pessoas que investigaram a sua morte. O filme é uma reconstituição feliz do homicídio. Samuel dá aulas de como se deve construir um documentário histórico, preocupando-se sempre em cruzar as fontes, confrontar teorias. Falando em teoria, uma destas teorias é da jornalista investigativa e ex-membro de um movimento holandês anti-apartheid, Evelyn Groenink. Ela acredita que Dulce foi morta por assassinos ligados à inteligência militar francesa que pretendiam encobrir os contractos de fornecimento de armamento que tinham firmado com o regime bóer sul-africano. Focada na busca de soluções para o caso de Dulce, a jornalista dedicou sua vida a procura dos assassinos da sul-africana. Enfrentou questões diplomáticas, ameaças subtis e brutas, pistas falsas, entre outras adversidades e não desistiu e publicou uma obra em 2018.  Aspecto que chama atenção são os países escalados, África do Sul, França, Inglaterra, para buscar os intervenientes. O som o documentário é fascinante, remete-nos a atmosfera dos acontecimentos. A composição do filme é meticulosa, preocupa-se com pormenores, que diferenciam amadores de profissionais. Não é para menos que este super filme está a abrir caminho para que a investigação da morte de Dulce seja retomada.

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Esta história emana da Talent Press, uma iniciativa da Talents Durban em colaboração com o Durban FilmMart. As opiniões deste artigo refletem as opiniões do crítico de cinema Hélio Nguane. Mentores: Djia Mambu e Wilfred Okiche.

Dulcie September Murder in Paris trailer

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