Um novo quadro composto pelas Casas da Cultura e Escola Nacional de Artes Visuais

Semanalmente, através do programa Conversa ao meio dia, produzido pela Plataforma Mbenga Artes e Reflexões e transmitida pela Rádio Cidade, contamos alguns episódios da História das Artes Plásticas moçambicanas, na rubrica Restauro.

Concebemos este espaço no nosso portal para a partilha, em forma escrita, do conteúdo breve, transmitido na rubrica supracitada.

Tomamos a direcção contrária ao futuro. Vamos percorrer a alvorada do país, para 1977/8 recuperar as primeiras referências às casas da cultura. Seguimos depois para a Escola Nacional de Artes Visuais.

Indo para os finais da década 70 sob orientação do historiador António Sopa, no artigo Artes Visuais em Moçambique – Um percurso de 100 anos, chegamos a 77, quando foi lançada a Ofensiva Cultural Das Classes Trabalhadoras.

Num contexto político socialista, com um sistema virado para o proletariado, no nosso caso maioritariamente constituído por operários e camponeses analfabetos, era preciso fazer um inventário sobre as manifestações artísticas – nas suas diferentes disciplinas – que moviam as massas para a partir delas mobilizá-las a envolverem-se na causa da Revolução que estava em marcha.

O projecto Casa da Cultura, regista Sopa, surge neste contexto, pensado como um espaço de promoção da actividade artística. Em 78 foi inaugurada a Casa de Cultura do Alto Maé, em Maputo, a primeira do género no país. Inicialmente, a semelhança do Núcleo de Arte, deu cursos e aos fins-de-semana tinha uma programação de actividades de artes performativas.

A projecção era que este projecto se replicasse pelo país a fora, pelos distritos, províncias. Nos bairros seriam instaladas as casas, círculos ou células, designados centros culturais. O máximo que se conseguiu foi instalar estas casas nas capitais provinciais. E as mesmas sobrevivem com recursos financeiros escassos.

Sopa narra que em 1995 a Casa da Cultura do Alto Maé mostra interesse pelas artes plásticas através do concurso Descoberta, iniciativa seguida igualmente pela Casa de Cultura de Nampula.

Na perspectiva do historiador, como forma de criar recursos humanos qualificados para trabalhar nas Casa de Cultura, era preciso formação. E o Centro de Estudos Culturais (CEC) surge nesse contexto. A partir de 1979 passa a lecionar arte. Nessa instituição deram aulas artistas portugueses que permaneceram no país depois da independência e outros das várias repúblicas soviéticas que vieram apoiar a fundação de um novo país.

Flávia Landucci Landgraf, no artigo Políticas culturais em Moçambique: do Estado socialista ao aberto à economia de mercado, observa que enquanto no CEC eram ministrados cursos em linguagens artísticas, as Casa de Cultura serviriam como polos irradiadores da cultura nacional.

As Casa de Cultura, conforme esta pesquisadora, deveriam reproduzir os mecanismos e conteúdo fundamentais do homem moçambicano como base ideológica – juntamente às escolas, aldeias comunais, cooperativas, conselhos de produção e empresas estatais – para a formação da nova sociedade.

Na génese da criação destas instituições não se pode ignorar que o imperativo político, alicerçado no marxismo-leninista, era a construção do Homem Novo. Esta empreitada ao preocupar-se em anular a tribo, a etnia, tinha a ingénua crença de que poderia inventar uma nova cultura. Vozes houve, entretanto, na imprensa da altura a defender, conforme Flávia Landgraf, que as casas deveriam ser órgãos independentes, só do povo, para o povo (…) desenvolver espontaneamente a cultura.

No contexto socialista, conforme o modelo abraçado pelo país em 1977, a colectividade era a prioridade. Expressões individuais ou de identidades coletivas e étnicas, a luz da reflexão de Flávia, distantes do substrato almejado pelo então Partido Estado que estava na frente dos destinos do país, significavam incorrer em desvios inaceitáveis.

Não obstante, é notável uma preocupação em relação a valorização e preservação do patrimônio histórico e identitário do país. É neste contexto que se realiza em 1978, a 1ª Reunião Nacional de Museus e Antiguidades, na Ilha de Moçambique.

Participaram da reunião, segundo Flávia Landgraf, os representantes do então criado Serviço Nacional de Museus e Antiguidades (SNMA), pelo Ministério da Cultura e Educação.

Conforme Edson Borges, no artigo A política cultural em Moçambique após a independência, o encontro possibilitou avaliar a capacidade de ingerência do Estado e do engajamento da população em projetos de valorização, preservação e democratização das atividades culturais.

A tentativa, prossegue o pesquisador, era implantar a planificação do funcionamento museal, contando com as orientações pelo Departamento de Trabalho Ideológico do Partido (DTIP).

Neste período marcado profundamente pela intervenção do Estado, em consequência da Guerra Civil, de 1983 até 1987 o Ministério da Cultura foi reduzido a Secretária de Estado, subordinado ao Conselho de Ministros. O que não impossibilitou que a partir do Centro de Estudos Culturais se formassem as Escolas Nacional de Música, Dança e Artes Visuais.

Em 1983 é inaugurada a Escola Nacional de Artes Visuais. Nessa altura o CEC já tinha formado artistas como Idasse Tembe, Fernando Rosa ou o Neto, por exemplo. Figuras estas que foram as primeiras a realizar exposições nos anos 80.

Alda Costa observa que a criação dessa e outras instituições de formação em arte foi importante e responsável por mudanças no cenário artístico, sobretudo na capital, Maputo. Fizeram, prossegue, este curso artistas ainda hoje no activo e com uma obra relevante no meio artístico nacional e nalguns casos regional e global.

Tomando de volta Sopa como referência, a Escola Nacional de Arte, inicialmente deu cursos básicos e médios de Gráficas, Cerâmica e Têxteis. Com o país mergulhado numa guerra civil violenta, conduzido por uma ideologia de esquerda, ainda houve docentes vindos de vários cantos do mundo lecionar naquela e noutras instituições de ensino de arte. Alguns alunos tiveram a oportunidade de continuar a formação fora no estrangeiro.

No que diz respeito ao nível superior, embora sem muito detalhe, Sopa refere-se ao curso de Desenho criado na Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane, ainda nos anos 80. Mais recentemente, prossegue o historiador, às instituições públicas e privadas de nível superior introduziram arquitetura, design, moda, artes visuais, música e teatro nos seus curricula.

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