O «EVANGELHO» DO REVERENDO JOSSEFA NHATITIMA SEGUNDO LUIS LOFORTE

Escrito por Celso Muianga

Logo que soaram as badaladas das 17 horas, das torres da Antena Nacional, onde estava montada a emissão especial da Rádio Moçambique, tudo começou. 47 anos depois, a historiadora e personalidade cultural Julieta Massimbe voltou para concluir a tarefa de locutora, que deixou pendente, em 1974. Ela e os ex-colegas do 6.º ano do então Liceu António Enes, uma lista na qual consta os nomes do escritor e poeta Silvestre Sechene. Julieta Massimbe assumiu assim as rédeas do sarau, como pivôt da cerimónia de lançamento do livro JOSSEFA NHATITIMA: O DOM DA LUCIDEZ!. António Barros fez as honras da casa, em representação do Presidente do Conselho de Administração da Rádio Moçambique, e assim começou a liturgia sobre o que foi a vida do Rev. Nhatitima. Estas vivências que inspiraram o seu neto Luís a grafar-lhe, qual formiga laboriosa, durante 20 anos, sublinhando a imagem de uma inexcedível dedicação à Igreja, à Palavra, à família e à comunidade que o rodeava.

Julieta Massimbe – fotografia de Luís Loforte

Luís Loforte fez questão de manifestar a sua motivação profunda que o levou a imprimir no texto as gratas memórias do que ele reteve do avô, agitando também os familiares a envolverem-se naquele ritual e em todo o processo de composição dos textos, até os configurar em livro impresso. Uma obra marcada pelo retrato imponente do Rev. Nhatitima a servir de porta frontal de um grande Templo.

A música, criteriosamente seleccionada, acompanhou o evento. E a apresentadora Julieta Massimbe fazia questão de contar as histórias de todas as músicas, traduzindo sempre as mensagens para a língua de Camões que, no dia 5 da semana que findou, celebrou o seu dia, segundo a nova directiva das Nações Unidas para a valorização da língua portuguesa.

Arão Litsure, dentro do tempo que lhe foi concedido, foi convidando os leitores, quase que intimando a todo auditório, para ler este novo livro de Luis Loforte que muito tem de história biográfica do Reverendo Nhatitima. Litsure sublinhou o enquadramento de Jossefa Nhatitima nos fundadores da Igreja Metodista Unida em Moçambique, então Igreja Metodista Episcopal, e no concerto das Igrejas protestantes que muito contribuíram para a educação e afirmação das mensagens de Liberdade para Moçambique e dos moçambicanos nestes 130 anos de actividdes eclesiásticas neste território. Ressalve-se neste contexto de intervenção missionária da Congregação Igreja de Cristo Unida em Moçambique (Ex-American Board). O repto para a leitura de fragmentos dos textos, como uma semente em terra fértil tinha sido atirada ao enorme auditório da Rádio Moçambique, que quer nas ondas sonoras, quer no facebook, que acompanhava em directo o evento. Rui Loforte esmerava-se para captar na sua nikon as imagens do evento.

Arão Litsuri – Julieta Massimbe – fotografia de Luís Loforte

John Coltrane, os Golden Gate Quartet, Maclin Comiche, António Marcos, Massukos, Nelton Miranda e números musicais do gospel tanzaniano, malawiano e ganense revezaram-se a meias com as intervenções dos convidados, quer em aberto, antes de usarem da palavra, quer em fundo, quando estivessem a fazer a sua alocução.

O grupo coral da Igreja Metodista Unida entoou dois hinos que gravitavam nos gostos e no simbolismo ecuménico do Rev. Jossefa Nhatitima, a quem aquelas sete vozes, 4 mulheres, e três homens, em voz viva e celestial prestavam tributo. Telmina Pereira que ganhou o estatuto de neta do Rev. Nhatitima por via da amizade deste com o Bispo Escrivão Anglaze Zunguze, seu avô materno, tratou de explicar à audiência as mensagens dos cânticos em língua xitswa.

A seguir, foi a vez do quarteto que compôs o Grupo Coral da Igreja de Cristo Unida em Moçambique (Ex-American Board), que entoou dois hinos em língua Ndau, cujo significado foi gentilmente traduzido pela Senhora Sara Gundana.

A história do Djakopo, integrada no livro,  chegou ao auditório na voz magnífica de Fátima Cossa. Cossa envolveu o auditório naquela história monumental de um ex-assassino, ladrão e cultor de bebedeiras nocturnas em Morrumbene que, para além de surpreender a comunidade local, ao entoar cantigas religiosas no Natal, nutria um profundo respeito pela figura do Rev. Jossefa Nhatitima, um mistério que acompanhou sempre as memórias de Luís Loforte. Fátima Cossa fez por merecer repetidas salvas de palmas do auditório.

As páginas do Evangelho que constituem o legado do Rev. Nhatitima foram igualmente percorridas numa interpretação memorável e avassaladora de Ana Magaia. Magaia conduziu o auditório a viajar na imagem, no carácter de um profundo sentido didático que o avô Jossefa Nhatitima deixou nos seus netos, sobretudo na história das formigas que, aos olhos do avô Nhatitima, tornavam possível a explicação sobre os mistérios da Natureza que fazem bons ou maus os cogumelos para o consumo dos seus netos.

Um outro momento solene foi quando interveio Sua Reverendíssima Episcopiza da Igreja Metodista Unida em Moçambique, Joaquina Filipe Nhanala.

Com o novelo distendido até esta parte do evangelho revelou-se diante de todo auditório a aula que Luís Loforte tinha criteriosamente preparado para os seus convidados. Uma aula no sentido em que ficou bem demostrado ao longo da cerimônia, que os laços que unem as comunidades que formam este país têm algo de muito profundo que, se as gerações mais novas dedicarem-se ao estudo e à valorização desses mesmos laços ganharemos muito mais consciência do que devemos ser como nação. E fica esta inquietação a deambular no meu pensamento:

 Quantos avôs continuam nas páginas do silêncio cúmplice dos seus netos, muitos até figuras de destaque no panorama político, económico e até académico? Quantas figuras contribuíram, decisivamente e não obstante o olvido e a rasura praticada pela História oficial com as suas poderosas safas de borracha? A ovação à Ana Magaia, mais do que merecida, se tivesse sido repetido por mais duas vezes seria meritória, na mesma.

Grupo Coral – Julieta Massimbe – fotografia de Luís Loforte

À família Nhatitima coube primeiro a vez aos Netos, ali representados por Gabriel Libombos, e por fim aos filhos, representados por Sinai Nhatitima que, tomado por uma emoção incontida, o que é habitual em homenagens feitas com profunda entrega pelos seus protagonistas. Por isso ficou adiado o canto de louvor na companhia de Telmina Pereira, para permitir que em tempo útil fosse possível escutar as palavras da ministra Helena Mateus Kida, titular da pasta da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos. Kida, honrada e reconhecendo as linhas tortas por que Deus escreveu para que naquele evento fosse participante especial, declinou respeitosamente a mensagem oficial, e sem fugir à solenidade, para também ela prestar um testemunho de circunstância, por exemplo, referir que tem laços familiares com o autor, em casa do qual viveu quando o pai foi destacado para o comando provincial militar em Cabo Delgado.

Helena Kida fez questão de saudar o lançamento do livro sobre o Rev. Jossefa Nhatitima, e também aproveitar a ocasião para lançar um repto ao auditório para que outras confissões religiosas dessem a conhecer os protagonistas e fundadores das suas Igrejas. A fila que se formou na parte final do evento para a sessão de autógrafos, muito para além de reconhecer o mérito da obra, serviu para nestes tempos pandémicos e incertos para a troca de palavras amigas e assim reabilitar o convívio presencial que muita falta tem feito. A fila dos autógrafos encerrou com a chave de ouro. E debaixo da sombra da árvore genealógica que é possível encontrar neste livro que divulga a profundeza das suas raízes, desde o patriarca Jossefa Nhatitima, passando pelo filho Sinai, ao neto Luís e, deste, ao bisneto Rui Loforte, até ao trineto Joel Loforte que recebeu o autógrafo final do avô Luís Loforte. O sarau foi de tal forma envolvente que nem nos demos conta do sinal das 19 horas, as palavras de Julieta Mussanhane, em nome da Rádio Moçambique anunciaram o fim de um sarau que certamente vai animar as memórias de quem testemunhou.

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