CUSTA DIZER… PALAVRA E INVOCAÇÃO

Escrito por Dionísio BAHULE

No último período do parágrafo que antecede ao que dá fim ao texto – Malangatana à porta do Teatro de Venâncio Calisto, o Roda – desse nome guardado à intimidade – invoca esse de lugar de fala como pretexto interrogativo à extinção da memória colectiva.

Acordei com este texto na caixa privada. Li-o. Assim pela diagonal. O dia. Foi quase de uma caótica ponderação. Há coisas com restante generosidade. Eufrásio e Isefa tinham chegado.

O sábado que vem – ambos transitaram a ferrovia para se instalarem no recomeço. Não há indignação nisto tudo. Pedro e Judas – também pecaram. Afinal – Deus é também um pecador.

Fingiu-se anjo e engravidou a prometida do José. O cuidado – sofreu as atribulações de um filho que também fez-se passar de três em um para enganar o homem e instituir alguma coisa como santíssima trindade.

Até aqui – a parte as convenções; Jesus esteve com a prostituta; com o bêbado; com o ladrão e com muita outra coisa. Isso também deve ser essa coisa de lugar de fala; dessa coisa sobre a qual a voz se traduz do interior para o significativo. Do espaço de nomeação. Custa… Sim.

A existência humana reside no fragmento dado pelo acto do artista. Há alguns anos – Roda limpou o lodo da morte em uma ferroviária. E a quase um resente episódio – ligou-me. Imagino.

Deveria ter interrompido o ensaio do incêndios para dizer o mesmo que há alguns anos – irmão: estou aqui. Por vezes a facticidade coloca-nos o limite; a situação do fim para esboçarmos a contingência que liquefaz a palavra.

Vovó Espangara continua sentado no Chiveve olhando para todos nós; de quando em vez – faz o movimento para espiar os vícios do pós-independência. Matar a tribo para fazer a nação nascer – possivelmente deu espaço ao que Ungulani acredita ter negado o convívio inter-racial na nação dada pela independência. Chego a pensar o mesmo. Hoje – não há oração possível que disfarce a intolerância norte-centro-sul.

Cada chão; com sua tradição – essas nomenclaturas todas de pensar o ser vindo de dentro – são o lugar de fala esquartejadas pelo discurso de negação de um nativismo telúrico em nome: (1): progresso. (2): novo homem. (3): de novo – negação do estatuto próprio do que se é. Novo homem – foi esse vício terrível e psicodélico que empurrou o chão para a incógnita.

Para uma segunda pilhagem antropológica feita por nós próprios. Alice continua me fazendo companhia. Tem suas manias. Tem essa de ler com precisão. De ler palavra a palavra e, quando gosta de algo – invade o território alheio para partilhar o achado.

Hoje – várias vezes – chegou para colocar questões sobre o vocabulário do paragrafo da noite 801 das mil e uma noites. Mano – olha para aqui – disse ela com os lábios a contorcer a palavra. E deixou entretanto, na estrebaria, continuou mais para adiante.

Só depois voltou a perguntar o que seria estrebaria. Mas logo mandou-me parar. Responde amanhã, disse com os pés a inclinar para o quarto. Fiquei. Pensando no alcance designativo do Roberto Chitsondzo.

Custa dizer amor – é de todos deste álbum – a convocação contra a inércia humana. É a recusa penetrante. Mas o que será: procurar uma casa em toda gente? Parece ser repúdio actualizado sobre o lugar asfixiado pela morte da tribo para dar espaço a nação. É possível a nação; essa comunidade colectiva sem o lugar particular de cada um? Roda, a mim também é uma interrogativa.

Deve ser isso que torna estes momentos a casa viva do ódio; de uma terra regressiva onde a distância se faz em silêncio e tornar cada espaço um pingo fértil para a discórdia.

A cobardia é também isso – a incapaz força artística de pensar um manifesto rebelde; esquecer a família e sairmos todos nus pela cidade. Entregarmos o peito desabotoado junto à entrada da presidência. Afinal a arte – não é aperitivo – é um acto de existir e de pensamento.

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