Noite de Lua cheia

Ao Edson, meu amigo, que perdeu a vida ao 26 anos, em Janeiro deste ano. E a Ika, a boneca que ele nos deixou.

A chuva recente trouxe os sapos para mais perto das casas. Os sapos conversam um choro nas machambas dos vizinhos do quintal da frente, depois da ruela de terra batida e muito entulho. De noite disputam o espaço sonoro com os prantos e as gargalhadas das crianças da vizinhança.

Um Opel de motor cansado a rosnar, estacionou nas proximidades da casa. O tipo do alemão lá ligou música dele, aumentou o volume e buzinou.

Edson está deitado de barriga na lua. As nuvens dispersam-se, a lua revela os desenhos. O Edson, sorridente, céu limpo, fixa o olhar, enigmático.

Na casa:

– Roubaram aquele dog que eu queria mandar roubar – lamenta o Bro.

– What?

– Yah, Bro. Mandava um breinado aí, me dava a quinha aquele dog. É de raça. O dono estava a me cobrar 2 paus. O gajo que comprou nem vai saber cuidar. Eu até comprei aquela bacia, viste? Juntei um txi para ração. A bolada vai bem. Ia dar-lhe um banho ao chegar com água de colónia.

Desaprova. Está sentado na sala de uma casa com as obras por concluir. Senta-se sob um banco improvisado da base de uma latinha de metal de uns 3/4 litros (50 cm, aproximadamente) embutida de cimento. Volta-se para a lua e encontra diante de si o desenho de uma mulher jovem e uma menina de capuchinho ao lado de uma mesa e uma luz que vem da porta nos fundos, nas costas da jovem sem rosto.

Quando posiciona a cabeça mais à direita, vê uma cama no lugar da mesa. A voltar a posição inicial, a mesa mostra-se recheada. Escapam os semblantes das duas. Escapa a jovem e a criança que não mudam de posição. Não há estrela próximas, as nuvens cinzentas aproximam-se, formam-se em cabeça de leão e uma juba avantajada, robusta. Uma presença tal que lembra o Simba já crescido, este de alta resolução.

– Bro, estás a ver as nuvens a fecharem-se? Parece um olho, nem? Nada, agora parece um jogador de futebol.

– Sim. Parece que está a ser segurado.

– Ele está a celebrar.

– Yah, vendo bem, sim.

– Parece que marcou um golo.

As nuvens passam, a lua vai se perdendo nas costas delas. A noite é quase cinzenta nesse instante.

“Edson, Edson. Os recibos continuam entre os livros”. Não deu para falar. A lua foi esquinada. A noite é cinzenta. O relógio estragou-se, ponteiro estagnou-se às 9.24. Finalmente, está certo.

Repentinamente, o Opel volta a rosnar, a música volta alta. O Opel vai se distanciando a tocar Kwiri, do Roberto Chitsondzo na sequência de Boa Vibe do AC.

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