Restauro 1

Semanalmente, através do programa Conversa ao meio dia, produzido pela Plataforma Mbenga Artes e Reflexões e transmitida pela Rádio Cidade, contamos alguns episódios da História das Artes Plásticas moçambicanas, na rubrica Restauro.

Concebemos este espaço no nosso portal para a partilha, em forma escrita, do conteúdo breve, transmitido na rubrica supracitada.

Regressemos às pinturas rupestres para encontrar as primeiras manifestações de artes plásticas no território em que se instalou o Estado Moçambicano. Essa arte fundadora tinha propósitos ritualísticos, mágicos e premonitórios.

Nessas primeiras manifestações predominam as cores vermelha, laranja e castanho. Estudiosos destacam a diversidade e originalidade dos desenhos desses registos predominantes nas regiões Centro e Norte do país. O que se vê em Samo, Zangaia ou Chiúta, na província de Tete é distinto entre si, seguindo por diante no sopé do Monte, Malembué na área do posto de Muembe, no Niassa ou Chinhamapere, na província de Manica, por exemplo.

A falta de registos escritos e escassez de artefactos nos séculos seguintes criam um buraco negro na história. O que torna urgente o debate sobre a Restituição de bens culturais de valor etnológico retirados do país no regime colonial, nas suas várias perspectivas, que não interessam neste pequeno resumo.

Na década 40 do século XX, a Arte Maconde merece apreciação, não obstante os preconceitos coloniais. O modo peculiar de esculpir contornos, traços e rostos despertaram interesse de apreciadores e coleccionadores de arte.

Vários registos realçam a estética que representa rituais e a coreografia – na acepção de Jacques Rancière no livro Partilha do sensível – da etnia Maconde. As esculturas produzidas nesse contexto circulavam entre as margens sul e norte do Rio Rovuma, isto é, Moçambique e Tanzânia. Marginalizada, é como classifica a historiadora Alda Costa, a Arte Maconde, no livro “Arte e artistas em Moçambique diferentes gerações e modernidades” (Marimbique).

Ainda sob as grades do colonialismo e seus ideais, questões infraestruturais e de urbanidade, uma esmagadora maioria analfabeta, as cidades da Beira e Maputo posicionaram-se no centro da História da Arte Moderna Moçambicana.

Seguimos o caminho com o “xiphefo” do historiador António Sopa. Parte deste artigo é feito com base no seu breve artigo intitulado “Artes visuais em Moçambique – Um percurso de cem anos”, integrado no catálogo de artes plásticas, produzido pelo Ministério da Cultura e Turismo, em 2017. Tomando essa luz, assumimos que a primeira exposição de realce no país realizou-se em outubro de 1918, no então Museu Provincial, actual Museu de História Natural.

Essa actividade, apesar de não ter tido uma continuidade regular, ilustra que a elite da urbe era receptiva a arte. Duas décadas mais tarde o cenário ganha mais vigor, quando a partir da década 30 o sector das artes plásticas modernas moçambicanas inicia a fundação do edifício que continua em construção. Ganham visibilidade a partir dai, nomes como Jacob Estevão, Bertina Lopes, Malangatana, Shikane, Cármen Muianga, Mankew, Ricardo Rangel, entre outros.

O historiador António Sopa, no seu artigo, aponta a criação da Sociedade de Estudos em 1930 e, seis anos mais tarde, do Núcleo de Arte em Maputo (então Lourenço Marques). Esta segunda instituição – ainda existente -, promoveu cursos de desenho, pintura e escultura para além de organizar e promover exposições de diversos artistas locais, de Portugal e de outras origens.

Nas duas décadas seguintes muita tinta rolou em pinturas, caricaturas e fotografias, para além de esculturas. São dessa época nomes como o escultor Joaquim Correia Vilela, do caricaturista Manuel Santana, do publicista Felisberto Ferreirinha, do fotógrafo Fernandes Tomás, dos professores Cunha Andrade, Jorge Silva Pinto, entre outros que, inclusive participaram e organizaram exposições nos átrios dos cinemas Scala e Gil Vicente.

Os anos 40 do século passado, ainda a tomar Sopa como referência, são marcados pelo desembarque de Frederico Ayres e o escritor e artista Plástico Augusto dos Santos Abranches, em Maputo.

Ambos se disponibilizaram a leccionar arte e mostraram o caminho a um grupo de jovens nascidos em Moçambique. Frederico Ayres por exemplo, faz parte da segunda geração de impressionistas portugueses. Impressionistas são artistas que, em suas obras, buscavam retratar os efeitos da luz do sol sobre a natureza, por isso, quase sempre pintavam ao ar livre.

Para além da docência, Augusto dos Santos Abranches dedicou parte da sua vida a observar e a pintar as paisagens e as gentes moçambicanas, que foram motivos de muitas das suas obras, algumas das quais ainda se podem ver no Museu Nacional de Arte, em Maputo.

Por isso, Augusto dos Santos Abranches teve um papel fundamental na dinamização e divulgação de eventos culturais da cidade de Maputo, na época. Em Portugal, Abranches tinha uma pequena editora que estava sediada em Coimbra, e em Moçambique, foi empregado numa livraria, em Maputo. Abranches usou a sua experiência e influência para mostrar o cenário artístico da urbe a quem frequentava o seu posto de trabalho.

António Sopa regista que na década 50 surgiram novos modelos estéticos no país. Nessa altura os principais jornais criavam suplementos e outros tipos de páginas para a divulgação de arte, contribuindo para a democratização do acesso a arte.

Estas e outras circunstâncias concorreram positivamente para que surgissem novos artistas. Pode-se, neste quadro, destacar instituições como Casa da Metrópole ou a Mocidade Portuguesa (ambas ligadas ao Estado Novo e ao Salazarismo), além do já referido Núcleo de Arte e Centro Cultural da Beira, que permitiram o acesso às suas salas para exposições de novos artistas plásticos que se revelavam. Há que referir que na mesma altura surgiam muitos escritores que revolucionaram a literatura moçambicana.

São dessa época a poeta e artista plástica Bertina Lopes, o pintor e poeta Rui Knopfli, Eugénio Lemos, Ricardo Rangel. Mais para adiante Luís Bernardo Honwana, que publicou pintura e literatura na imprensa local.

Em meio a este fenómeno, no Núcleo de Arte e na Escola Industrial, um docente vindo de Portugal, João Ayres, especializado em cerâmica e decoração, influenciava aos seus alunos.

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